Jó - Um tratado sobre a Graça e a Justiça de Deus
- Rubens Szczerbacki
- 6 de ago. de 2021
- 77 min de leitura
CAPÍTULO 1
Aprouve a Deus levar Rosy pra casa. Eu também precisei entender minhas dores.
Havia um homem na terra de Uz cujo nome era Jó. Este homem era íntegro, reto, temia a Deus e se desviava do mal.
Só a Palavra expõe determinados atributos de um homem, de tal forma que possa justificá-lo diante de Deus. Não quero entrar nos pormenores. Há muitos livros paralelos que detalham tais minúcias. Sabemos que Jó era rico, tinha esposa, sete filhos e três filhas, muitos servos e muitíssimo gado. Tudo leva a crer que se tratava de uma família unida. Era churrasco regado a vinho a cada semana!
Meu foco está no contexto da crença de Jó em Deus. O que Jó tinha em mente, como ele enxergava Deus, e se aquilo que pensava condizia com o que vivia! Jó continuamente se santificava pelos filhos, oferecia holocaustos por eventuais pecados cometidos pelos filhos. Era uma vida de comunhão e santificação. Santificação e . . . sofrimento!
Um homem íntegro, reto, que temia a Deus e se desviava do mal, em comunhão, santificação e sofrimento. Alguém que viria a perder toda a sua riqueza e passaria por dias terríveis, como Cristo, que humilhando-se a Si mesmo, esvaziou-se voluntariamente tomando a forma de servo, fazendo-Se semelhante aos homens[1]. É impossível não perceber Jó como um tipo do Cristo sofredor! Cristo deixou Sua glória e Suas prerrogativas de Deus nas mãos do Pai. Jó foi arrancado de sua glória! Deus ouviu a oração de Jesus quando disse: e, agora, glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo[2]. Mudou o SENHOR a sorte de Jó, quando este orava pelos seus amigos; e o SENHOR deu-lhe o dobro de tudo o que antes possuíra[3]. A glória de Jó também seria restituída.
O texto, então, sai do cenário da terra e aponta para as milícias celestiais, quando narra que os filhos de Deus se apresentavam diante Dele e Satanás estava junto, como um penetra, penso eu. Imaginemos a cena daquele que foi expulso das regiões celestes, que veio pousar na terra, um posseiro, ex-querubim de tamanha glória e beleza, que conseguiu convencer um terço dos anjos a acompanhá-lo numa rebelião contra o Criador, o preto no branco, se apresentando diante do Trono de Deus! Posso imaginar o cochicho dos anjos ao ver aquela criatura horrenda, antes de tanta formosura: - olha só como ele ficou! Ele era tão lindo! Havia cores e música, agora parece queimado, feio e vazio!
E então, Deus, em meio às miríades de miríades de anjos, inicia um diálogo com Satanás, que vinha de vagabundear pela terra e pergunta se ele observou um servo chamado Jó, alguém que não podia ser comparado a ninguém na terra. E Satanás respondeu:
- Também, né, não é sem motivo que ele te adora! Você o cerca do melhor da terra e o abençoa com tudo! Tira tudo dele e veremos se não vai blasfemar na tua cara!
- Feito, escravo, tens minha autorização pra tirar tudo dele. Só não toque nele!
A narrativa discorre sobre os horrores que sucederam a Jó: perdeu os servos, o gado e toda a sua família, com exceção da mulher que falaria como uma doida, que parece ter sobrevivido apenas para instigá-lo a amaldiçoar este teu Deus e morrer!
Jó, então, se prostra e se humilha diante de Deus e solta a célebre frase que ecoa aos nossos ouvidos até hoje: Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei. O Senhor o deu e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor!
Em tudo isto Jó não pecou, não julgou a Deus, nem Lhe atribuiu falta alguma.
CAPÍTULO 2
Passa um tempo, e novamente o cenário dos filhos de Deus se apresentarem diante de Deus se repete. E mais uma vez o diabo está entre eles. Então Deus, com santa ironia, faz a mesma pergunta a Satanás: - de onde vens? Tens observado meu servo Jó? Ele ainda conserva a sua integridade, embora você me incitasse contra ele para destruí-lo sem motivo.
É evidente que temos aqui um propósito muito bem definido por Deus para que se deixasse incitar por Satanás! A lógica nos leva à condição de que não haveria necessidade de Deus perguntar se Satanás tinha observado Jó, com ênfase no seu caráter! E bem sabemos que não há qualquer poder em Satanás que deixasse Deus suscetível às suas incitações! Resumindo, quis Deus assim! E ponto! Deus poderia ter perguntado a respeito de Rig, que morava a duas quadras de Jó, um assassino, ladrão, ímpio, pedófilo, corrupto, que buscava o mal e não temia a Deus! Então teríamos a certeza de que Deus diria: estás livre para fazer o que quiseres, e o que fizeres, fazes depressa! Este não está no Livro da Vida! Seria um prato feito àquele que veio para roubar, matar e destruir!
Mas Jó permanecia íntegro: sofrendo, mas não tendo pecado contra Deus! Aquilo irritou o diabo de tal sorte que ele continuava desafiando a Deus, e disse: - deixa-me colocar uma lepra nas suas mãos, uma dermatite esfoliativa nos pés, vitiligo na boca, um melanoma avançado na sua pele, eczema nas costas, uma osteoporose senil, pois não há homem na terra que não faça qualquer coisa para ter saúde! E aí vamos ver se ele não blasfema contra ti na tua face!
E Deus poderia ter dito: - vai-te Satanás, porque está escrito: Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará[4]. Mas Deus topou o desafio, dando-lhe a ordem para não tocar na sua vida! Aqui, temos consenso de que Deus sabia que seria desafiado, provocou tal desafio porque para cada um de nós Ele tem um propósito definido desde antes da fundação do mundo. Certamente, por alguns momentos, Jó não entendia por que toda aquela desgraça lhe sucedia! Temos recebido de Deus o bem, por que não receberíamos também o mal[5]? Como se esta fosse uma regra para todo homem, independente de seu caráter diante de Deus! Essa seria a explicação imediata para alguém que se achava justo diante de Deus! O que passava pela cabeça de Jó era a pergunta de todos nós: o que foi o que eu fiz? Isto é, devemos viver as dores e o sofrimento, mesmo sendo justos?
Em tudo isto Jó não pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma. Então, os legalistas de plantão, um amigo da sinagoga de Temã[6], Elifaz; outro, da congregação suíta[7], Bildade; e ainda Zofar, da escola de profetas de Naamá[8], resolveram visitar Jó para consolá-lo e explicar por qual motivo estaria ele passando todo aquele perrengue! Ficaram sete dias olhando um pra cara do outro, sem abrir a boca, estupefatos diante da condição de Jó! Eles podiam olhar para a carne de Jó, mas não para sua alma! O veredito estava consumado nos olhares religiosos e em seus dedos estendidos: Jó pecou! E pecou feio! Desobedeceu a lei[9]! Precisavam mostrar a Jó que Deus era justo com base no quadro que se apresentava! Em nenhum momento priorizaram aliviar suas dores de alguma forma, independente de qualquer explicação. Eram legalistas profissionais!
Pois é, quem é o próximo?
E eis que certo homem, intérprete da Lei, se levantou com o intuito de pôr Jesus à prova e disse-lhe: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? Então, Jesus lhe perguntou: Que está escrito na Lei? Como interpretas? A isto ele respondeu: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Então, Jesus lhe disse: Respondeste corretamente; faze isto e viverás. Ele, porém, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: Quem é o meu próximo? Jesus prosseguiu, dizendo: Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e veio a cair em mãos de salteadores, os quais, depois de tudo lhe roubarem e lhe causarem muitos ferimentos, retiraram-se, deixando-o semimorto. Casualmente, descia um sacerdote por aquele mesmo caminho e, vendo-o, passou de largo. Semelhantemente, um levita descia por aquele lugar e, vendo-o, também passou de largo. Certo samaritano, que seguia o seu caminho, passou-lhe perto e, vendo-o, compadeceu-se dele. E, chegando-se, pensou-lhe os ferimentos, aplicando-lhes óleo e vinho; e, colocando-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e tratou dele. No dia seguinte, tirou dois denários e os entregou ao hospedeiro, dizendo: Cuida deste homem, e, se alguma coisa gastares a mais, eu te indenizarei quando voltar. Qual destes três te parece ter sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores? Respondeu-lhe o intérprete da Lei: O que usou de misericórdia para com ele. Então, lhe disse: Vai e procede tu de igual modo[10].
CAPÍTULO 3
As primeiras palavras de Jó foram de lamento e tristeza. Tudo o que ele queria é não ter nascido para viver o que estava vivendo. Para isso ele cria a imagem de um dia amaldiçoado, de densas trevas, que Deus não se importaria que deixasse de existir no calendário. Ele invoca os feiticeiros que têm poder para instigar as forças do mal a amaldiçoar o dia do seu nascimento; que fosse um dia sem luz, sem alvorada, em que a madre de sua mãe deveria ter sido fechada para que não experimentasse o sofrimento. Ele lamenta não ter morrido quando nasceu e suspira por ter encontrado peitos que o amamentassem. Se tivesse sido dessa forma, estaria tranquilo – extravasa Jó – em paz, no meio de reinos eternos ou simplesmente não existiria. Qualquer que fosse a opção, o sofrimento não chegaria à sua porta. Nesse lugar imaginário, ele não seria incomodado pelos ímpios, e os cansados e sobrecarregados repousariam. Todos os que não nasceram seriam iguais!
Mas Jó parece se perturbar quando confessa não entender por que o miserável e aquele que vive deprimido continuam vivendo, procurando e não encontrando a morte, e por que se concede luz e vida a um homem para ser cercado e exigido por Deus! Ele completa sua primeira manifestação diante dos amigos e diz: eu preciso de pão, mas tenho me alimentado de gemidos; aquilo que tenho medo que aconteça comigo, acontece! Não tenho descanso, não tenho sossego, não tenho repouso. Só tenho inquietação[11].
CAPÍTULO 4
Depois de Jó expressar toda a sua dor, lamento e tristeza pela condição que vivia, e sem entender os motivos pelos quais estava passando por todo aquele desespero, Elifaz, cheio de si, pergunta se Jó teria paciência para ouvir seu sermão, mesmo porque ele parece estar com tudo na ponta da língua pra vomitar diante do amigo enfermo.
A primeira pedra de Elifaz é atirada na face de Jó! - Pois é, Jó, antes você pastoreava os fragilizados e oprimidos, e agora que a desgraça te alcançou, fica desanimado! Cadê aquele homem cheio de palavras de verdade? Você deveria focar em sua própria ética de vida! Mesmo em meio às dores, não consegue ter esperança em dias melhores com base no seu próprio comportamento? Você já viu algum inocente perecer ou gente reta, íntegra, temente a Deus e que se afasta do mal ser destruída? Ora, meu amigo, venhamos e convenhamos!
Elifaz afirmava que Jó estava colhendo o que havia plantado, que certamente aquela condição jamais seria a de um inocente diante de Deus, e que tendo então colhido o mal, seria destruído pelo sopro de Deus. Em outras palavras, ele pregava que Jó estava sendo destruído por Deus porque nada do que ele falava de si mesmo era verdade! Em suma, para Elifaz, Jó era um pecador, mentiroso, não tinha nada de justo e, para ter perdido família, servos, gado e ficado naquela condição física abominável, deveria ter cometido pecado de tal monta estando, portanto, sofrendo as consequências da justiça de Deus. Para Elifaz, se há sofrimento, há pecado! Simples assim.
Eu imagino os amigos de Jó, certos de que algo muito sério deveria ele ter cometido para passar pelo que estava passando, curiosos para saber que pecado seria esse! Hoje, não é diferente! Religiosos logo apontam o dedo para aquele que passa por algum tipo de dificuldade e buscam saber o tamanho e o peso do pecado: foi isso, foi aquilo ou foi aquilo outro! Ah, deve ter sido aquele pecado! Para os amigos (certamente estes não eram mais chegados que irmãos[12]), o estado deplorável e o sofrimento de Jó eram apenas um detalhe secundário.
Elifaz parece querer ensinar doutrina de salvação para Jó, quando traz na alma o medo da condenação e a imagem de um espírito que julga os homens, sendo que não há um justo sequer diante de Deus[13], pois se Ele não confia nos seus servos e aos seus anjos atribui loucura e imperfeição, quanto mais o homem mortal encontraria salvação e descanso! Nascem e morrem! Ele ironiza o discurso de Jó, como quem diz: - Jó, se liga, você é tão pecador quanto qualquer um de nós! Não tente se colocar numa condição espiritual superior! Tome um espelho e deixe que tua imagem reflita aos teus olhos! O leão pode ser o rei da selva, mas quando fica velho e cessa seu rugido ou não há presa, ele morre como qualquer outro animal. Não é diferente com a gente!
CAPÍTULO 5
Você pode berrar, clamar e suplicar à vontade aos céus, Jó – prossegue Elifaz. Ninguém vai te ouvir! O céu não ouve pecadores! Não fiques ressentido pelo que te sucede, nem invejes aquele que não está vivendo esse sufoco, como se você fosse insensato ou tolo!
Em outras palavras, é como se Elifaz dissesse ao pé do ouvido de Jó: - Cara, você sabe que se essa praga entrou em ti, não foi de graça. Você pode até não me dizer nada, mas é experiente e sábio! Alguma você aprontou!
Mais uma vez, Elifaz expõe seu sarcasmo diante de Jó, quando narra situação semelhante àquela vivenciada pela ação de Satanás, descrita no início. Diz que ele mesmo viu um insensato lançar os alicerces de sua casa, mas que de uma hora para outra, a maldição pousou, seus filhos não tinham quem os defendesse nos tribunais, além de ter plantado para que outros colhessem e desfrutassem do seu trabalho. Isso nada mais é do que uma forma sutil e prática de chamar Jó de insensato. Se ele está sofrendo, certamente as dores não nasceram do pó ou do chão, mas é fruto das dificuldades e tribulações que o homem encontra em vida, o que ele afirma ser comum a todos, da mesma forma que é inevitável que as faíscas subam!
Nada há nesse texto que não me faça remeter ao caráter religioso, irônico e legalista de Elifaz. Ele parecia ter absoluta certeza de que Jó colhia frutos da árvore do pecado. Quando ele sugere que Jó apele para Deus, fica implícito que aquilo não passava de uma atitude meramente religiosa, pois tinha para si a certeza de que Deus jamais perdoaria alguém como Jó, e que certamente ele entenderia, da parte do próprio Deus, o motivo de seu sofrimento. Para Elifaz, aquilo seria o veredito definitivo de sua vida. Esta era a visão que Elifaz tinha de Deus: o Deus da lei, o Deus irado, insensível e com chicote sempre em posição de ataque.
Então, a partir daí, Elifaz começa a esboçar os atributos de Deus, ou seja, demonstrar para Jó que o mesmo Deus que realiza maravilhas insondáveis, milagres, que exalta os humildes e traz os que pranteiam a um lugar de segurança, que frustra os planos dos astutos e apanha os sábios na sua arapuca, que salva o oprimido dos exatores, que fere, mas trata a ferida, que livra o homem do golpe na guerra e da morte, que guarda o filho do homem do medo, da fome e das feras, é o mesmo Deus a quem devemos nos permitir sermos corrigidos e disciplinados. Fazendo isso – assevera Elifaz – os animais selvagens terão paz com você, sua descendência prosperará e haverá paz e segurança em sua casa. Em outras palavras: - apele para Deus, Jó, quem sabe Ele possa te perdoar! Ou seja, a premissa indiscutível era que Jó era um pecador e, por isso, vivia aquele drama, e somente a misericórdia de Deus poderia livrá-lo daquela tragédia. Mas não era nisso que Elifaz cria e me arrisco a dizer que nem mesmo desejava. Elifaz não era sincero e só falava essas palavras da boca para fora!
CAPÍTULO 6
Jó está desesperado de tanta dor física e se justifica diante dos amigos pelas palavras precipitadas ditas antes. Ele, sequer, consegue expor a dor pela perda de seus dez filhos! Ele não tem dúvida de que aquele que lhe causou ou permitiu passar por todo aquele sofrimento é o Todo-Poderoso, o mesmo que tem poder para ter evitado aquele estado de dores terríveis. Ele se vê numa luta desigual contra Deus, quando diz que seu espírito suga o veneno de Suas flechas e que os terrores de Deus estão posicionados e apontados contra ele. Ele não suporta aquela vida e tudo o que ele quer é morrer! Para ele, Aquele que começou uma obra de dores implacáveis na sua carne e na sua alma, a aperfeiçoaria se terminasse por matá-lo logo! Este era o seu desejo, pois não havia mais forças para resistir, nem para ter paciência ou esperança. Independente de ter pecado ou não, Jó dizia que aquele que sofre precisa ser consolado, mesmo aquele que deixou o temor de Deus! E certamente ele não encontraria eco desta afirmação tão profunda no trio de religiosos que o cercavam com palavras que nada lhe edificavam.
Jó expõe a falsidade daqueles amigos, aqui chamados de irmãos, comparando-os com a corrente do rio, que rapidamente pode encher uma ravina seca com águas torrenciais, mas que rapidamente desaparecem na rocha porosa; como caravanas que confiam nos ribeiros e acabam se desviando para lugares desolados e perecendo. Assim, Jó compara os seus amigos, dizendo que eles não lhe ajudaram em nada! É como se Jó dissesse: - eu não pedi para que vocês sentassem à minha frente e buscassem formas de acusação contra mim perante Deus! Sejam sinceros e digam onde errei! Simplesmente vocês desprezam o que digo, julgam o meu sofrimento e tratam como vento as palavras de um homem desesperado!
- Jó, meu irmão, não sabemos o que você fez ou deixou de fazer. Deus o sabe! Verdadeiramente o que queremos é te ajudar a sair desta penúria. O que podemos fazer por você, além de dar toda a atenção às suas palavras? Temos orado para que a graça e misericórdia de Deus estejam sobre a sua vida, pedindo que Ele abrevie estes dias de sofrimento e que te restitua aquilo que lhe foi tirado!
Não, não foram estas as palavras de Elifaz nem foram estas as orações de Bildade ou Zofar, mas bem que poderiam ter sido!
Na realidade, eles apenas contemplavam com ar de justiça e arrogância os sofrimentos de Jó, e temiam que o mesmo pudesse acometê-los. Não havia justiça e sinceridade nas palavras dos amigos. Jó os desafiava a reconsiderar o pensamento que formaram a seu respeito, a serem justos, sinceros, a lhe darem crédito, encarando suas palavras como verdade, a discernir alguma iniquidade em seus lábios, a mostrar-lhe onde errou, a ter a bondade de olhar para ele. Jó provoca-os perguntando se seriam capazes de lançar sorte sobre um órfão, ou capazes de vender um amigo. Isso seria corrupção! A atitude dos amigos de Jó era como uma atitude corrompida, assim como a religião corrompe a justiça e a verdade! O que Deus esperava destes homens era amor ao próximo[14], e não juízo! Não julgueis segundo a aparência, e sim, pela reta justiça.[15]Era uma ótima ocasião para que os amigos tirassem a trave dos olhos[16]!
CAPÍTULO 7
Segue-se um monólogo lamurioso de Jó contra o próprio Deus. Ele compara suas noites terríveis ao trabalho de um escravo que anseia pela sombra, ou de um assalariado que espera ansiosamente pelo seu pagamento. O sofrimento lhe traz o peso do tempo, cujos ponteiros do relógio parecem preguiçosos! A hora não passa! As noites são arrastadas porque os vermes e as feridas não lhe dão trégua! Os dias cumprem seu roteiro, as dores são recorrentes e as noites andam em círculos. Não há nenhuma esperança de cura! Jó lembra a Deus que seus dias na terra são curtos, e manifesta seu lamento e pesar, pois tem a certeza de que jamais tornaria a ser feliz. A autocomiseração parece se apropriar de sua alma!
Assim, completamente amargurado, ele apresenta suas razões a Deus com base na exiguidade da vida, como quem primeiramente desabafa e em seguida questiona onde estaria a lógica do Criador para que Ele vivesse uma vida tão desgraçada, tão atribulada, se o tempo de vida do homem é curto como um sopro! Com base na convicção de que não merecia viver o que estava vivendo, Jó se coloca na condição daquele que nada mais tem a perder e quer saber de Deus os motivos de estar passando por toda aquela aflição. Seria ele uma ameaça para alguém, de tal sorte que necessário seria deixá-lo sob guarda? - ele questiona!
Se já não bastasse a realidade que aquele drama lhe trazia, ele vivia assustado e aterrorizado com visões e sonhos noturnos! Jó passou a ter desprezo pela vida e preferia morrer! Sua aflição de alma e a angústia de espírito o levavam a questionar a Deus o que era o homem para que fosse dada tanta importância, sendo examinado e provado a cada instante! Jó requeria explicações do Senhor – na possibilidade de estar vivendo toda aquela situação como consequência de ter pecado – sobre o mal que poderia ter causado ao próprio Deus! Não seria tudo mais fácil se Ele me perdoasse e expiasse os meus pecados - pergunta Jó! [Ora, se isso não é uma alusão à cruz de Cristo!]. Na verdade, Jó se aferrava ao fato de ter muito pouco tempo em vida para mudar aquele terrível cenário de horrores, pois estava certo de que logo Deus o procuraria, mas ele já não mais estaria entre os vivos!
CAPÍTULO 8
Bildade entra na conversa com o intuito de ser advogado de Deus! Em nenhum momento percebe-se qualquer compaixão pelo quadro que Jó apresentava, mas o foco era a causa de Jó estar vivendo aquela vida! Não importava o sofrimento dele, mas levá-lo a crer que tudo aquilo era justo, pois tudo aquilo vinha de Deus. E Deus era justo! Se deixarmos os ovos da religiosidade serem chocados na nossa mente, não seremos diferentes de Bildade diante do homem que sofre. Vamos esquecer as dores em si e nos ater às suas razões. Seremos legalistas quando o coração se encher de conceitos do tipo merece ou não merece! Se nossas mentes não forem como a mente de Cristo[17], a lei vai tentar corromper a graça e ser reformatada! Então Bildade se inflama em sua justiça própria como se fora ministro da justiça do reino dos céus e inicia seu discurso cheio de palavras vãs e óbvias, que alento nenhum trazia a alguém que estava sofrendo tanto! Ele dizia que as palavras de Jó eram como um furacão, que Deus não torce o que é direito nem o que é justo. As afirmações de Bildade são espantosas, carregadas de justiça própria e legalismo. Ele justifica a morte dos filhos de Jó pelo pecado que praticaram! Lendo o livro, não se consegue identificar quais seriam tais pecados cometidos, e mesmo que eles fossem identificados, de onde Bildade gerou uma lei que determinasse tal preceito? Essa não era, sequer, a lei de Moisés! O que aprendemos do livro de Jó é, que por ser temente a Deus, ele chamava seus filhos e os santificava, levantava-se continuamente pelas madrugadas e oferecia holocaustos, pois tinha no coração que se eles tivessem pecado e blasfemado contra Deus em seus corações, o pecado poderia ser expiado[18].
Bildade parte do princípio que os questionamentos de Jó eram injustos. Com isso, ele lhe atribui pecado e, consequentemente, justifica seu sofrimento. É muito difícil, reconheço, para o homem sem Cristo, entender a lógica do sofrimento humano! E também não é tão diferente para o crente! Todos passam pela fase de perguntas a Deus, que ficam no vácuo. Não há cristão que não tenha experimentado o silêncio de Deus, além de vê-Lo agir de uma forma que em nada condiz com a razão e a lógica humanas e, muitas vezes, nem mesmo com a fé! Esta é a soberania de um Deus Único!
Bildade olhava para um homem completamente doente na carne e nos ossos, e que acabara de perder todos os seus bens, além de seus dez filhos! A mente humana é invariavelmente levada a crer que somente a prática do pecado levaria Deus a punir quem cometeu delitos! Diante de uma lei, o homem se sentirá, certamente, mais confortável para racionalizar seus argumentos, pois tudo dependerá do seu próprio esforço. Seguiu a lei, ótimo! Transgrediu a lei, tente novamente, mas há uma punição e um preço a ser pago pela prática de um ato que foi corrompido! A lógica da lei e da religião não permite nenhuma análise diferente de pecou, então sofreu! Deus é justo! Dessa forma, diante do quadro que os amigos vislumbravam, seus corações e mentes jamais dariam chance para ouvir o relato de Jó! Eles não estavam interessados na sua história, e sim, em manter o status quo de juízes segundo sua própria lei! Não poderia existir qualquer outra possibilidade de Jó estar sofrendo daquela forma, a não ser por sérios pecados por ele cometidos! Em outras palavras, Bildade e seus amigos criaram uma lei para si mesmos e procuraram aplicá-la a Jó, com o aval de Deus! Certamente ele poderia estar sofrendo por razões muito mais profundas! Mas, que razões seriam essas? Os amigos de Jó jamais agiram por amor!
A lei dos amigos deu base para que Bildade passasse o típico sermão para Jó, na forma de: se você for íntegro e puro, Ele se levantará agora mesmo em seu favor e o restabelecerá no lugar que por justiça cabe a você. O seu começo parecerá modesto, mas o seu futuro será de grande prosperidade[19]. Mal sabia Bildade o conceito que Deus tinha a respeito de Jó, conceito exposto para o próprio Satanás (Observaste o meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal[20]), narrado no início do livro.
Que discurso vão e fútil! Que conversa inútil e infrutífera! Que palavras óbvias e cheias de legalismo! A conversa de Jó com os amigos não se dava numa sala de estar, nem em um consultório dermatológico! Imaginemos Jó, sofrendo em uma carne fétida, sem se banhar há dias, com os ossos quebradiços se degenerando continuamente em meio a dores e coceiras, sangramentos e processos infecciosos, com a alma em frangalhos, devido às perdas que teve, tendo que ouvir de um amigo, que o motivo de estar passando por tudo aquilo era o fato de ter pecado. Entretanto, que sua sorte poderia mudar, caso se convertesse dos seus maus caminhos e buscasse a Deus, se fosse íntegro e puro etc. Que tendência que o homem tem de achar que somente será aceito e amado por Deus, através da obediência a regras e preceitos! Que vocação que o homem tem de anular a graça misericordiosa de Deus!
E então Bildade rega seu discurso com poesia vazia, do tipo porque o papiro só cresce no pântano, o junco não cresce sem água, pois Deus não rejeita o íntegro e não fortalece as mãos dos que praticam o mal. Em suma, Bildade proferiu o seguinte: - Reconheça que Deus é justo - Jó, afaste-se do pecado, converta-se a ele com inteireza de coração e encontrarás paz e prosperidade! Sendo advogado de Deus, só faltou Bildade apresentar a carta de confissão de pecador para que Jó assinasse! Assim ele receberia seus honorários!
Só a graça!
CAPÍTULO 9
Diante do discurso de Bildade, a primeira reação de um Jó tremendamente fragilizado pela enfermidade, foi reconhecer que tudo aquilo era verdade. Jó parece mudar seu espírito, pois começa a reconhecer que é muito difícil para o homem ser justo diante de Deus. Ser íntegro, puro, temente a Deus ou desviar-se do mal, parecem ser atributos mais viáveis, mas ser justo acarreta em possuir um dom de perfeição impossível de o homem alcançar por si mesmo! A pergunta de Jó - como pode o mortal ser justo diante de Deus? - é, na prática, o vazio que só Jesus foi capaz de preencher na cruz! Mas isso está encoberto aos olhos de Jó, da mesma forma que Jerusalém não podia reconhecer naquele contexto - e até hoje não reconhece - Aquele que lhe poderia trazer a paz[21]!
Jó resigna-se e reconhece que não tem como falar de igual para igual com o Criador! Deus é Espírito! Jó é homem! Qualquer argumento de Jó seria contra-argumentado de forma definitiva e fulminante por Deus! Ele tinha conhecimento que seria uma luta inútil, devido à Sua incomensurável sabedoria e poder! Ele traz à consciência aquilo que ele sabia sobre Deus: um Ser invisível, infinito, Todo-Poderoso, que não tem início nem fim, que remove montanhas e dá ordens ao universo, cujos monstros como o Beemote[22] e o Leviatã[23] reverenciam, que cria as estrelas e anda sobre o mar, que realiza milagres e maravilhas inefáveis e incontáveis. Como se achegar a este Ser - questionava Jó! Mesmo se considerando inocente, tudo o que poderia sair de sua boca seria um pedido humilde de misericórdia!
Mas precisamos entender qual a visão que Jó tinha de Deus, se não de uma Pessoa espiritual absolutamente poderosa, rígida, implacável, porém justa, que torna irrelevante sua inocência ou seu conceito de justiça, que considera o íntegro e o ímpio da mesma forma, capaz de vendar os olhos dos juízes quando uma nação cai nas mãos dos ímpios e que não se importa com o desespero dos inocentes! Esta é a visão que um Jó sofrido tinha de Deus! Posso imaginar a sua mente dando nó!
- Não adianta eu me considerar inocente, pois se estou passando por todas estas aflições e nenhum argumento meu pode prevalecer, então certamente serei considerado culpado! Não existe árbitro entre Deus e eu! Sei que não estou em pecado, mas vivo uma vida de castigo, de dores terríveis, fruto da vontade de Deus. Se não é Ele, quem seria? Mesmo que eu estivesse em pecado e me lavasse com a água mais limpa e me purificasse com o sabão mais caro, Ele poderia me atirar num poço de lodo! E quais seriam minhas razões para Dele contestar?
Assim, a mente de Jó passa a coxear entre a soberania de Deus e a possibilidade Dele se manifestar como um Ser sádico, que tem prazer no tormento de inocentes[24]. Tudo vai depender se Deus vai considerá-lo culpado ou não, segundo os Seus critérios e Sua soberania! Afinal, os pensamentos de Deus não são os pensamentos do homem[25]!
CAPÍTULO 10
Perdido, perdido e meio! Este é um provérbio popular para aquele que sabe que nada mais tem a perder. O jogo está perdido mesmo, então, faltando pouco tempo para o final da partida, ataquemos o adversário! Quem sabe não acontece um milagre! Para Jó, sua vida estava perdida. Ele só queria conhecer os motivos de estar sendo condenado, passando por toda aquela desgraça, ou seja, aquela vida que Jó estava vivendo era fruto de uma condenação de Deus! Não poderia haver, na sua concepção, nenhum outro motivo, a não ser condenação! Desta forma, ele pergunta para Deus quais seriam as acusações contra ele? Ele perguntou para Deus se Ele tinha prazer em vê-lo daquele jeito, enquanto sorria para os ímpios.
- Não te entendo, Deus! Eu sou homem, o Senhor é Deus! Tu és eterno, eu sou finito! Tu és autoexistente, eu sou criação tua! Por que Tu ficas vasculhando cada detalhe da minha vida, procurando pecado e perfeição em mim, embora saibas que eu não sou culpado? Qual é a graça em me formar do barro e destruir o vaso? Não sou obra das tuas mãos? Se eu pecar, Tu me punes; se eu não pecar, ficas à minha espreita! O que o Senhor quer de mim? Fui criado ao Seu bel prazer como um brinquedo que pode ser atirado aos leões a qualquer hora, com ou sem motivos? Era melhor eu não ter nascido! Posso te pedir um favor: afasta-te de mim para que eu tenha um instante de alegria, pois daqui a pouco serei engolido pela terra de sombras, trevas e caos!
CAPÍTULO 11
Zofar, o naamatita, não suportou ouvir o discurso de Jó! Ele acreditava que Jó estava zombando de Deus, achando-se puro aos Seus olhos, sem pecado, sem merecer estar vivendo aquela situação. Ele não acreditava no caráter de Jó, achava-o mentiroso e queria que Deus lhe desse a devida resposta!
Ele ansiava que Jó entendesse que a sabedoria de Deus era muito maior do que ele pudesse imaginar, e que se colocasse no seu devido lugar de pecador, e não de um servo íntimo de Deus! Zofar parecia incomodado com a forma como Jó se referia a si mesmo! Então ele monta um cenário onde Deus está muito acima do homem, e que por esse motivo, muitos dos pecados cometidos por Jó haviam sido esquecidos por Deus! Zofar e os amigos ficam ansiosos para que Jó reconheça ser um pecador e merecedor de todo aquele drama que está vivendo!
Parece que Zofar, ao ouvir o discurso e os questionamentos de Jó, conclui que ele não conhecia exatamente o poder de Deus e, por isso, se atrevia a falar daquela forma que soava soberba! Ele desafiava Jó, inquirindo se seria capaz de desvendar os mistérios de Deus e os segredos de Sua sabedoria. Então, Zofar exalta o poder e o conhecimento de Deus, e faz com que Jó atente para o fato de que o Senhor conhece os falsos e mentirosos e que, sem qualquer esforço, logo identifica e desmascara a iniquidade. Ele usa um tom um tanto moralista, afirmando que aquele que nasce tolo continuará sendo tolo, a não ser que mude de atitude diante de Deus! Zofar parte do ponto de que Jó é um mentiroso e audacioso pecador, [mas se esse povo que clama a Deus se humilhar e orar e buscar sua face e se desviar de seus maus caminhos[26]]. [então você levantará seu rosto, estará seguro, esquecerá seus sofrimentos, que se tornarão em memoriais]. E é interessante que, da mesma forma que Bildade, a fala de Zofar procura sempre dar um ar de esperança e de alento a Jó, desde que ele reconheça sua condição de haver cometido pecado. Então Deus não o rejeitará! Para eles, continuar questionando a Deus é sinônimo da arrogância e prepotência! E nessas condições, Jó se torna equivalente aos inimigos de Deus, aos ímpios, ou seja, a morte será sua única esperança!
CAPÍTULO 12
Certamente há espírito de ironia em Jó quando ele diz para os amigos que eles são o povo, e que a sabedoria está com eles e morrerá com eles! É como se Jó dissesse: - vocês são os sábios que têm comunhão com o Único sábio! Mas tenham em mente que eu tenho a mesma capacidade de vocês para discernir as coisas de Deus, mesmo que o meu estado atual seja deplorável! Em nada sou inferior a vocês! O fato de estar desse jeito não anula minha capacidade de meditar no Deus que eu creio! Você acha que eu não conheço tudo aquilo que você me falou, Zofar?
Jó permanece firme na convicção de sua postura ética e espiritual, de ser um homem justo, reto, íntegro, irrepreensível, e continua sem entender o motivo de ter se tornado objeto de escárnio. E não se conforma quando aquele que está bem e seguro, despreza e julga aqueles que vacilam. Não lhe parece lógico ou racional que os opressores tenham paz e os que confiam em si mesmos e provocam a Deus descansem em segurança! Jó tem consciência de que todo esse cenário irracional aos seus olhos, é obra de Deus! Ele sabe que a Deus pertencem a sabedoria e o entendimento. Isso não traz nenhuma novidade para ele! Tudo o que Ele faz é definitivo e perfeito! Ele faz o que Ele quer, como Lhe apraz, a hora que quer, do jeito que quer!
CAPÍTULO 13
Jó continua seu discurso ratificando que não era diferente dos amigos, independe da condição deplorável em que se encontrava. Mas ele continuava firme no propósito de defender sua causa e de se justificar diante de Deus. Sua indignação com os amigos aumentava, pois suas palavras eram vistas como infames. Para Jó, o melhor dos mundos era que ficassem calados! Jó estava revoltado porque os amigos se comportavam como advogados de Deus. Estava irritado com a intermediação deles, como se o direito de apresentar suas razões diante de Deus fossem decididas por um concílio de amigos! Jó quer falar com Deus, sem intermediários, sem fariseus por perto, sem confessionários humanos, pois embora tenha temor do Todo-Poderoso, não tem mais o que perder! Se a morte tiver que alcançá-lo, ele quer ter a certeza de haver um motivo justo, i.e., se houvesse quem o acusasse com razão, ele aceitaria a morte como consequência natural do seu pecado. Jó queria uma trégua para falar com Deus: que Ele desviasse Sua mão para longe e que Sua presença não lhe aterrorizasse. Jó pergunta por que Deus se esconde dele e o tem como inimigo, como se Ele decretasse coisas amargas contra ele, baseadas nas ações de sua mocidade quando ele, sequer, conhecia Deus de ouvir falar!
CAPÍTULO 14
Jó continua a falar com Deus, tendo seus amigos como testemunhas! Ele insiste que o homem tem pouco tempo de vida e passa por muitas aflições[27]. Brota como a flor e murcha! É para algo assim que o Deus Todo-Poderoso foca suas preocupações? - questiona Jó! É esse tipo tão limitado de criatura que será exposto a um julgamento pelo Juiz da terra? É dessa coisa impura, pecadora, cujos dias de vida estão determinados, para quem Deus estabeleceu limites, que o Senhor do Universo pretende extrair algo que tenha valor? - desabafa Jó!
Se o homem é menos do que uma gota dum balde[28], por que não deixas ele em paz e desvias o teu olhar para que ele possa viver em paz o pouquinho de vida que deste a ele, como se fosse um diarista? - argumenta o racional Jó diante de Deus!
Jó manifestou inveja da árvore, que mesmo cortada ou tendo suas raízes envelhecidas, poderia brotar novamente e gerar ramos, o que não se aplica ao homem, que ao dar o último suspiro, deixa de existir, tal qual os rios que se esgotam e secam! Jó parecia querer ensinar Deus a ser Deus! Ele sugeria a Deus uma forma de deixá-lo viver, escondendo-o temporariamente na sepultura até que sua ira fosse aplacada e Ele voltasse a se lembrar dele! Se o homem morrer, de nada mais adianta - pensava Jó - mas estando vivo, esperaria pelos dias de seu alívio! Depois que passasse a ira de Deus, o homem, obra das Suas mãos, seria chamado novamente por Aquele que o criou! Jó parecia sugerir a Deus, pelas dores e sofrimentos que estava vivendo, que Ele era poderoso e justo para criar uma forma de lhe dar alívio e salvação!
Observa-se que a morte incomodava Jó! Ele não entendia por que motivo a morte fazia parte dos projetos de Deus! Por que um Deus tão poderoso poderia ter prazer em criar algo, que dura tão pouco tempo, para fazê-lo sofrer enquanto vivo, e matá-lo em tão pouco tempo! Então – ele argumentava – já que era para viver tão pouco tempo, o lógico seria que esse tempo fosse regado à paz, saúde e prosperidade! Os pecados não seriam levados em conta! [Só faltava Jó perguntar: O Senhor não tem ninguém aí no céu, que possa me substituir, de forma que eu possa viver, independente dos meus pecados? Não tem ninguém no céu que possa selar minhas transgressões num saco, encobrindo minhas iniquidades?]
Verdade é que sem Cristo, a esperança do homem é destruída! Ele envelhece e definitivamente morre, sem saber o que fazem os vivos!
CAPÍTULO 15
Elifaz volta a se manifestar. Para ele, as palavras de Jó são desperdício, vazias e improdutivas! O espírito do juízo e do dedo estendido estava arraigado à alma de Elifaz! Você sufoca a piedade de Deus – você destrói o temor de Deus – o que você fala é inspirado em iniquidade – o seu pecado motiva palavras que o condenam! Este era Elifaz, um dos grandes amigos de Jó! Elifaz via a Jó como autossuficiente, arrogante, aquele que se achava o cara diante de Deus! Em outras palavras, o coração de Elifaz e dos demais estava completamente fechado a qualquer argumento de Jó. Isso era notório! Parar para meditar ou até mesmo concordar com Jó seria semelhante a entrar em conflito com Deus, a fazer coro com os argumentos de Jó! E, certamente, eles não estavam dispostos a isso! Assim, qualquer argumento de Jó não poderia se traduzir em algo que eles não conhecessem, por isso, Elifaz dizia que tudo aquilo que Jó expunha, eles, os sábios e os anciãos, conheciam de longa data, nada era novidade! Sendo assim, o estado de calamidade de Jó era justo, e a causa de sua condição desesperadora era seu pecado. Não poderia haver outro motivo! Esta era a linha da lei que Elifaz e os amigos tinham em mente! E nada existiria na lei de Deus para quebrar aquele paradigma!
Por crer ser justo aquilo que Jó estava enfrentando, Elifaz pensava que Jó era ingrato e que devia dar graças a Deus pelas consolações divinas e pelas palavras que ele e os amigos lhe dirigiam! Elifaz dizia que Jó se deixava levar pelos impulsos do coração, e cobrava brilho nos seus olhos, mesmo em meio a todo aquele sofrimento! Ele lembrava a Jó que os seus questionamentos apontavam para Deus, e que o homem, impuro e corrupto, não pode ser justo, com base na rebelião do céu[29]! Se os anjos se deixaram corromper, que dirá os homens!
Com os olhos fitos em Jó, Elifaz tinha a certeza de que ele era o protótipo do ímpio, pois este, segundo os antigos, sofre tormentos por toda a sua curta vida! Ele perambula como quem anda sem esperança, o som dos horrores e a visão das trevas são sua cama! E então ele, desesperado, levanta os punhos para Deus! Ou na sua prosperidade lhe sobrevém o destruidor, e ele jamais voltará a ser rico! Está amaldiçoado! Este era exatamente o quadro e o histórico de Jó!
CAPÍTULO 16
Jó não suportava mais ouvir os argumentos de Elifaz e dos outros amigos, pois eles em nada o consolavam. Para ele, aquelas palavras nada significavam, eram parcas e sem cabimento. Ele afirmou que sua atitude seria diferente se estivesse do outro lado, pois procuraria usar as palavras para encorajá-los, a fim de que obtivessem alívio e esperança. A postura de ficar criticando e meneando a cabeça para quem está em sofrimento é muito fácil - dizia Jó! Em meio a tanto sofrimento, a dor não cessava nem mesmo quando ele falava alguma coisa, nem quando ficava calado.
Então Jó se volta para Deus e O acusa de ter-lhe esgotado todas as suas forças, de ter destruído toda sua família e deixá-lo fisicamente destruído, magro, deprimido, agindo como um inimigo que range os dentes, com olhar de ódio, como se tivesse lhe atirado para ser esmurrado, esbofeteado e desprezado por homens ímpios[30], fazendo-o alvo de tortura! Sua humilhação chegou ao ponto de criar uma figura em que um pano de saco cobria sua pele e seu orgulho era enterrado no pó!
Jó não suportava mais chorar e suas olheiras estavam negras como as densas trevas! Ele orava, mas não obtinha resposta, apesar de não entender os motivos por estar vivendo aquela situação desesperadora! Mesmo sem forças, só lhe restava continuar clamando e, como Abel[31], ele queria que o seu sangue falasse e testemunhasse a seu favor. Ele se volta para os três, e pelo Espírito afirma que sua testemunha e seu advogado estavam nos céus[32]. Ele tem a revelação de que Aquele que intercede[33]por ele é seu amigo. Enquanto chora – dizia Jó – sua testemunha defende sua causa diante de Deus, como quem defende a causa do amigo. Jó tinha consciência de que a morte era uma viagem sem volta e, para ele, esse dia estava próximo.
CAPÍTULO 17
Jó sentia seu espírito sendo consumido a cada dia, e a morte, próxima. Ele entrega os amigos nas mãos de Deus e os chama de zombadores. Zombadores no sentido de que aquelas palavras que ouvia não traziam verdade que pudesse aliviá-lo das dores ou dar-lhe qualquer esperança. Jó confiava na justiça de Deus, e sabia que aqueles homens diziam o que diziam porque não tinham entendimento para falar de outra forma! Assim, eles não seriam exaltados em triunfo ou cheios de razão! Ele não se vê denunciando maliciosamente seus amigos, pois bem sabia a recompensa que teria se agisse de má-fé. Ele tinha a certeza de ter sido da vontade de Deus ser posto como provérbio para todos, um homem para ser desprezado, em cujo rosto os homens cospem[34].
Seja como for, seus pensamentos não se desviavam da ideia de que os justos se manteriam firmes, mesmo em meio ao sofrimento, e de que os retos e puros seriam fortalecidos. Jó provocava os três quando os desafiava a tecer novas palavras, de tal sorte que ele pudesse, quem sabe, aceitar o fato de estar naquela situação! Mas ele sabia que nenhum dos três tinha sabedoria do alto para modificar ou acrescentar nada, além do que já tinham falado. Eram ladainhas.
O que Jó expõe é que toda aquela conversa com os três foi um verdadeiro fracasso! Pois se o objetivo foi fortalecê-lo, de nada adiantou; se foi dar-lhe alguma esperança, nada acrescentou. Houve apenas acusação sobre acusação. O resultado de tudo aquilo, na prática, é de que a morte de Jó se aproximava, seus planos fracassaram e seus desejos do coração foram frustrados. Jó parecia tachá-los de falsos profetas ou inventores de males, querendo tornar a noite em dia; ou quando as trevas se aproximavam, chamavam-na de luz! Ele achava que era mais justo eles dizerem que seu fim estava próximo do que inventar condições para sair daquela situação!
Não poderia haver qualquer esperança de vida para quem tinha a sepultura como o próximo lar, dadas às condições deploráveis que se encontrava. Esperança era tudo o que os seus amigos não poderiam lhe dar e, assim, cada vez mais ele tinha certeza de que seu fim estava próximo.
CAPÍTULO 18
E então, em meio àquele revezamento de palavras que cada vez deixavam-no mais atordoado, novamente Bildade toma a palavra, regada de oratória estéril, vulnerável e cansativa, de pleno conhecimento de Jó.
Na realidade, esse disse daqui, responde dali, acusa daqui, argumenta de acolá, poderia se perpetuar. Enquanto Jó procurava entender e fazer os amigos crerem que o seu estado miserável não era fruto de pecado, e que tudo o que queria era uma chance de conversar com Deus e obter Dele as respostas para tudo que estava vivendo, Bildade, assim como Elifaz e Zofar, insistiam que o quadro de Jó só poderia ser consequência de um comportamento semelhante ao do ímpio. Parecia que os amigos de Jó tinham receio de que Deus, ouvindo os argumentos de Jó, poderia fazer com que aquela retórica do pecado caísse por terra e, assim, deixá-los em maus lençóis!
O que Jó desejava dos amigos – se fossem verdadeiros amigos – além de colocar em segundo plano quaisquer causas para o seu sofrimento e o deixassem livre para falar com Deus? O que Jó precisava ouvir de seus amigos, além de (1) Jó, a tua dor é a nossa dor, não somos piores nem melhores do que você, mas homens sujeitos às mesmas paixões[35], falhas, deslizes e erros; (2) Jó, traremos faixas e unguento para envolver sua pele; (3) Jó, estamos orando e intercedendo por você para que Deus tenha misericórdia de você, alivie tuas dores e te cure; (4) Jó, não somos donos da verdade, sabemos que os pensamentos de Deus estão acima dos nossos e também não entendemos muitas coisas, mas sabemos que o Criador só age por amor; (5) Jó, a tua dor é a nossa dor! Mas eles montaram uma barreira para as suas palavras, uma espécie de filtro espiritual, como se fossem discípulos de Deus, formada de argumentos segundo o seu próprio entendimento, e não permitiam ou aceitavam que as palavras de Jó pudessem encontrar eco no céu! Eles se punham como intercessores hipócritas e guardas de Deus, quando Ele jamais pediu que agissem como tais!
Bildade procura desanimar Jó de suas intenções, chamando-o de insensato. Ele queria que Jó se calasse, pois sua fala já estava irritando sobremaneira os amigos, especialmente depois de tê-los chamado de zombadores. Ele se apoia no sarcasmo, quando começa a questionar a Jó, como quem discursa:
Ó, grande e nobre Jó, o injustiçado, saiba que sua ira encontra respaldo nos altos céus, e a injustiça que se comete contra ti é tamanha, que devemos abandonar a terra por sua causa! As rochas também manifestam seu desagrado e pleiteiam outros espaços para descansarem, pois não acham justo permanecer onde se encontram diante desta injustiça!
E continuou, creio, mais ou menos assim:
Deixa que te fale um pouco sobre o ímpio: sua lâmpada não permanece acesa. Na sua tenda a luz vai se transformando em trevas e ele acaba perecendo. Ele se enfraquece e se frustra. Tropeça e fica preso em armadilhas preparadas para agarrá-lo. Tudo o que vê e o que ouve deixa-o assustado. Não são a bondade e a misericórdia[36] que o seguem todos os dias, mas a calamidade e a angústia esperam sua queda! Sua pele é consumida e sua carne destruída. Sua casa é invadida pelos terrores e pelas más notícias e é destroçada pelo fogo do inferno. Todo o verde que cerca sua tenda é transformado em cinzas! Ninguém mais se lembra dele. Não lhe restou sobreviventes! Não percebes que esta é uma situação de quem não conhece a Deus e que você, que se vê injustiçado, vive exatamente este cenário? Com quem te assemelhas, meu amigo Jó: com o justo ou com o ímpio?
CAPÍTULO 19
Jó estava no limite da humilhação! Só faltava ele ouvir dos amigos algo como: Desça da cruz e creremos em você[37]! Ou levante-se em saúde e saberemos que és um justo! Ele se sentia agredido, esmagado e atormentado pelas palavras de Bildade. Dizia que mesmo que fosse verdade que estivesse agindo de forma semelhante a um ímpio ou alguém que tivesse se desviado da verdade, aquilo era problema exclusivo dele! Seus amigos estavam usando todo aquele cenário sofredor de Jó como pano de fundo para se exaltarem acima dele. Ali, a justiça para Jó era ter a chance de ser ouvido por Deus! Ele bem sabia que a fonte de seu sofrimento era Deus, pois se ele clama por socorro e não obtém resposta, como a justiça defenderia sua causa?
Jó não quer mais saber das causas, mas da fonte dos horrores que vivia! Mais importante do que saber os motivos do seu sofrimento era conhecer Aquele que tinha poder para fechar suas portas e bloquear seus caminhos, deixá-lo naquela condição humilhante, despido de honra. Ele queria conhecer Aquele que não lhe dava esperança de dias melhores e o matava aos poucos, que o via como se fosse um inimigo e que afastava irmãos e conhecidos. Ele precisava conhecer quem era Aquele que, sem motivos, matou seus filhos e fez os parentes lhe abandonarem e parecer um estranho aos hóspedes, que fez com que os servos não mais lhe dessem ouvidos, e que de sua mulher fez parecer uma louca! Quem o havia transformado num homem repugnante para ser escarnecido por crianças e amigos? Jó se sentia com um esqueleto que ainda respirava – um verdadeiro sócio no vale dos Ossos Secos![38]
Ele clamava por misericórdia aos amigos, pois bem sabia qual mão lhe tinha ferido! Se já não bastasse o peso da mão de Deus, os amigos pareciam não saciarem-se de sua carne! Tudo que Jó queria naquele momento era registrar suas palavras, e então ele profere algo tão maravilhoso quanto profético, tão espiritual quanto espetacular! EU SEI QUE O MEU REDENTOR VIVE, E QUE NO FIM SE LEVANTARÁ SOBRE A TERRA. Ora, se essa não é uma declaração que muda a história, que aponta para Cristo e sua cruz! E então ele exulta no espírito e profere palavras tremendas e que devem ter escandalizado os amigos: E depois que o meu corpo estiver destruído e sem carne, verei a Deus. Eu o verei, com os meus próprios olhos; eu mesmo, e não outro! - Se vocês creem que a causa deste meu sofrimento está em mim mesmo, tenham temor da justiça de Deus, pois sei que são acusações infundadas. Saibam, pois, que há um juízo e uma justiça! Os justos, os sábios e os seus feitos estão nas mãos de Deus[39]! E eu creio na Sua justiça!
CAPÍTULO 20
Mas os amigos de Jó são demasiadamente justos[40]! São insaciáveis e implacáveis! Agora é a vez de Zofar, de Naamate, manifestar novamente sua opinião. Ele parece fazer um discurso para alguém que estava prestes a morrer. Digo morrer, como morre um ímpio, ou seja, Jó poderia argumentar o que quisesse, todavia a realidade é que seu estado era quase vegetativo e nada mais lhe restava, se não, pouco tempo de vida! Zofar se dizia desonrado pela repreensão de Jó, e então, usa as palavras para destruir aquele que já estava destruído, humilhado, na arrogância de quem se achava ter entendimento para contestar. E sempre com a tônica da ironia! Anos mais tarde, Jesus lembrou as palavras de Isaías: não esmagará a cana quebrada e não apagará o morrão que fumega, até que faça triunfar o juízo[41].
Em resumo, estas seriam as palavras de Zofar para Jó:
Ora, meu amigo Jó, tu sabes que desde a antiguidade, a alegria dos ímpios é efêmera. Ainda que a prepotência seja sua fonte de motivação, ele vai apodrecer e ninguém mais terá notícias dele. Para ele não há esperança nem futuro. Seus filhos tomarão o fardo da maldição e serão responsáveis pelos seus atos. Por mais que a comida seja saborosa, para o ímpio será azeda a ponto de vomitá-la. Ele não vai desfrutar da beleza e do som das águas de rios e cachoeiras, que transbordam leite e mel. Ele não desfrutará de nada que produziu com seu suor. Outros o farão. A desgraça o seguirá e a prosperidade será sua inimiga. Por onde andar as armas o ferirão. Tudo o que é seu será queimado e destruído. Os céus se levantarão para testificar da sua culpa, e no dia da ira de Deus, suas casas e bens serão arrastados pelas águas. Este é o destino dos ímpios, herança de Deus que, parece, você estar herdando, meu amigo Jó!
Isso mais parece uma prévia das maldições de Deuteronômio 28[42]!
CAPÍTULO 21
E o diálogo continua.
Estamos nos referindo à lei das coisas inalcançáveis: a lei da soberania de Deus, i.e., um juízo cuja lógica humana jamais prevalecerá! A justiça de Deus é Cristo e a loucura de Sua cruz[43]! Só a lei de Moisés, que serviu de aio, associava consequências aos atos praticados! Olho por olho, dente por dente, toma lá, dá cá! Do mais, a soberania de Deus sempre poderá nos surpreender, especialmente onde não há lei, pois onde não há lei o pecado não é levado em conta![44] Pode ser dolorosa para o filho, mas inevitavelmente o será em amor, pois será com base na cruz e, por isso, sempre será justa!
Os amigos de Jó eram essencialmente legalistas. Sua justiça era a que vinha da lei que estava em seus corações. Jó estava aberto para conhecer a justiça que estava além daquela formulada pela razão dos homens, a justiça de Deus! Ele sabia que passava por tudo aquilo por algum mistério desconhecido que tanto queria conhecer! Seu espírito testificava que ele era justo diante de Deus, mas ele queria conhecer a justiça de Deus, e não a justiça dos amigos, que era trapo de imundície, e saber se o seu conceito de justiça era ou não compatível com a justiça do Criador! Esse era o drama que torturava sua alma, além das dores que aniquilavam seu corpo físico! Uma certeza ele tinha: a vida que estava vivendo nada tinha a ver com caráter iníquo.
Aquele que não tem dores nem está passando por sofrimentos que se rasgam por dentro e por fora, jamais poderá entender isso, ainda mais se estiver com a mente cauterizada pela lei! Pelo contrário, tende a achar-se superior, torna-se arrogante, orgulhoso e prepotente! Se ele está bem é porque está cumprindo tal lei, seja qual for seu fundamento! Se alguém está mal, certamente Deus estaria aplicando Sua justiça e juízo. Qualquer que seja a lei, quem poderá cumprir fielmente todos os seus mandamentos e não tropeçar em algum? E o que fará se tropeçar num único preceito? Mas aquele que sofria e tinha segurança de que não burlava nem negligenciava a lei, ao menos voluntariamente, ficava desnorteado e precisava desesperadamente de resposta! Esse era o verdadeiro flagelo espiritual de Jó! Ele insistia para que os amigos parassem de falar aquilo que ele conhecia tanto quanto eles! Diante do seu sofrimento, ouvir o óbvio era como escutar um sermão sem qualquer unção, uma lengalenga, um discurso vazio que em nada o edificava ou ajudava a sair daquele estado. Pelo contrário, as palavras dos amigos reforçavam cada vez mais a certeza de que os argumentos que Jó defendia, advogando sua própria causa, deveriam a todo custo ser mantidos! Jó sabia não se aplicarem a ele! Ele queria o incentivo dos amigos para buscar em Deus as razões de tal sofrimento! Mas isso faria com que eles saíssem da condição de conforto em que se encontravam. Não eram amigos, mas religiosos, meio que políticos! Achavam-se guardadores da lei – como os fariseus seriam no futuro – e representantes de Deus quando discursavam para Jó!
O diálogo não cessava. Na realidade, nenhum dos lados estava interessado em dar muita atenção ao outro, mas em fazer prevalecer seu ponto de vista. Os amigos de Jó poderiam simplesmente ir embora, tendo cumprido seu papel de fazer Jó entender que havia um motivo evidente, uma causa indiscutível para estar vivendo aquela vida, se é que aquilo poderia ser chamado de vida, e que se ele reconhecesse seu pecado e buscasse a Deus, sua sorte poderia mudar. E o próprio Jó poderia pedir que os amigos fossem para longe dele, pois sua presença já estava sendo por demais pesada, inócua, improdutiva, injusta e cansativa. Jó tão somente queria apoio para buscar em Deus o motivo de sua sorte ter mudado, e tinha certeza que não ouviria do Criador o mesmo discurso dos amigos. Ele sabia que havia uma justiça de Deus, além daquela que ele conhecia! Mas esse diálogo ainda iria durar algum tempo! Tudo o que de antemão podemos concluir é que sem Cristo e sem a cruz de Cristo, não existem parâmetros de justiça!
Assim, na certeza de seus argumentos, na firmeza de sua fé, Jó suplica para que os amigos prestem atenção em suas palavras, e depois poderiam falar o que bem quisessem, até mesmo zombar dele! Ele tem em mente discorrer sobre a sorte dos ímpios e pedir explicações a Deus, e não aos homens. Com isso, ele pretende convencê-los que seu estado lastimável jamais poderia ser compatível com alguém que chega à velhice e se torna mais poderoso ainda, cujos filhos e sua descendência são plenamente estabelecidos e cujos lares têm paz e estão livres dos terrores; suas vacas dão crias e não abortam; as crianças alegram-se ao som da música, cantam, passam a vida na prosperidade e morrem em paz. Quando você contempla a vida deles, conclui que é certo serem íntegros, retos e tementes a Deus! Mas, não! Eles não querem intimidade com Deus nem conhecer os caminhos do Todo-Poderoso! Não amam nem servem a Deus e não veem qualquer sentido em orar para esse Deus! Jó estava demonstrando para os três que, caso fosse um ímpio, estaria desfrutando a vida como eles [ímpios], mas é exatamente o oposto que acontece com ele! Ele chega à velhice completamente enfermo e sem esperança; não há filhos ou descendência para que sejam estabelecidos; não há paz no lar porque sequer existe lar; o medo é o seu alimento; não há crianças para brincar nem música para se dançar. Ora, Jó buscava a Deus pelas madrugadas e se santificava pelos filhos! O que toda essa reverência tem a ver com a impiedade?
Jó não se aconselhava com aqueles que não temiam a Deus e desprezavam o Criador! Ele sabia que aquela condição aparentemente próspera dos ímpios não dependia deles mesmos, mas ele olhava para suas vidas, ao mesmo tempo que levantava sua cabeça para questionar a Deus: como é possível? Por que Deus não pesava Sua mão sobre essa gente, como tem pesado sobre aqueles que lhe são tementes?
Séculos à frente, Asafe manifestou as mesmas questões, registradas no Salmo 73. Não que Jó manifestasse inveja dos ímpios, mas Asafe deixou claro que tinha este sentimento pelos arrogantes porque eles prosperavam, não tinham preocupações, viviam saudáveis, e então tornavam-se soberbos e violentos. Falavam contra o céu e blasfemavam de Deus! Asafe chega a dizer que de nada adiantou conservar o coração puro e lavar as mãos na inocência, pois era afligido e castigado continuamente! Somente quando ele entrou no santuário de Deus, pôde atinar o fim dos ímpios! E viu que Deus os coloca em lugares escorregadios e os faz cair na destruição. Além disso, de súbito são assolados e aniquilados de terror. Os ímpios são desprezados por Deus! A salvação está longe deles[45]!
Então Asafe, que tinha revelação de Deus, se derrama diante Dele e diz:
Todavia, estou sempre contigo, tu me seguras pela minha mão direita. Tu me guias com o teu conselho e depois me recebes na glória. Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra. Ainda que a minha carne e o meu coração desfaleçam, Deus é a fortaleza do meu coração e a minha herança para sempre. Os que se afastam de ti, eis que perecem; tu destróis todos os que são infiéis para contigo. Quanto a mim, bom é estar junto a Deus; no SENHOR Deus ponho o meu refúgio, para proclamar todos os seus feitos.[46]
E tudo o que Jó desejava era entrar no santuário de Deus e conhecer Sua justiça. Que privilégio o nosso, da Igreja, conhecer a justiça de Deus: Cristo Jesus!
Aos poucos, Jó confundia seus amigos, pois se fosse um ímpio, tudo estaria em paz, livres de calamidades e plenos de socorros quando necessário. As agruras que a vida lhe proporcionava não se coadunavam com o zelo que Deus parecia ter pelos ímpios! Assim, cada vez mais, Jó via seus amigos com pensamentos e planos injustos, só para lhe prejudicar, consolando-o com palavras vazias, contendo somente falsidade, falta de amor e hipocrisia em suas respostas.
CAPÍTULO 22
Então vamos à fala de Elifaz, de Temã.
Suas primeiras palavras denunciam-no! Ele demonstra um nível de religiosidade extremo, quando se percebe que não está nem um pouco interessado em agradar a Deus, mas em estar bem com Ele! Deus no céu, Elifaz na terra, saudável e próspero; Jó morrendo! O que mais importa? O resto é o resto! Ele não quer provocar a Deus, aceitando os argumentos de Jó! Aí está a injustiça dos ditos amigos de Jó! Que importa o homem ser de algum proveito para Deus? - questiona Elifaz! Com ou sem sua ajuda, Deus vai continuar sendo Deus! Elifaz não queria conhecer a Deus, muito menos ter qualquer intimidade com Ele, mas deixá-Lo em paz em Sua soberania, não lhe provocando à ira! Os amigos de Jó temiam, mas não amavam a Deus! Por que deveria ele aceitar os argumentos de Jó, se não era com ele (Bildade e Zofar não pensavam de forma diferente) o problema, mas com algum outro que certamente deveria ter pecado contra Deus? Aceitar os argumentos de Jó poderia cutucar a onça com vara curta e sobrar para eles! Amar a Deus de todo o coração e de todo o entendimento e de toda a força, e amar ao próximo como a si mesmo[47]. Isso não fazia parte do cardápio espiritual dos amigos de Jó! Elifaz não tem qualquer ideia a respeito do significado de ter comunhão com Deus! Qual a ideia que Elifaz fazia de Deus? Um monstro que não deveria ser acordado de seu sono profundo, semelhante ao Leviatã? Um exator sem qualquer misericórdia? Um estranho sem qualquer afeição pelo homem? Ele diz que nenhuma glória há para Deus no fato de o homem ser justo! Ser justo ou irrepreensível diante de Deus não traria qualquer benefício a Deus, afirma ele! Elifaz não está interessado no amor de Deus, mas em não permitir que Sua ira aponte para si! É como se pensasse: Esse Deus está quieto até agora! Deixa-O assim, que vai ser melhor para todos!
Ledo engano!
Elifaz parte do princípio que Deus está repreendendo e acusando Jó por sua iniquidade e maldade. Não sabemos no que Elifaz se baseou para desfraldar pecados que Jó pudesse ter cometido, mas tem-se a nítida impressão de que ele não conseguia ter respostas convincentes para o estado caótico de Jó! Assim ele, do nada, enumera atos cometidos por Jó, que mais parecem fake news, tais como ter exigido, sem motivo, penhores dos seus irmãos, despojado de roupas os que estavam seminus, negado água ao sedento e pão ao que tinha fome, mandado embora de mãos vazias as viúvas e quebrado os ossos dos órfãos! Elifaz pintou Jó como um déspota, maldito, pior do que um ímpio! Para Elifaz, este seria o motivo de Jó estar cercado de armadilhas e do perigo repentino ser o seu pavor, envolto em escuridão e coberto pelas águas que não lhe deixavam nada enxergar! Caifás, ou melhor, Elifaz, acabara de crucificar a Jó!
Não vejo no livro de Jó qualquer fundamento para as palavras de Elifaz, quando afirma que Jó questiona o que é que Deus sabe ou se tem capacidade para julgar através de tão grande escuridão! E assim, Elifaz cria em sua mente um Jó que nada tem a ver com aquele homem sofrido que está diante dele e de seus amigos! Eles forjaram um Jó, próprio para ser acusado e punido por Deus, segundo seus interesses! Um Jó à semelhança dos ímpios que pedem para que Deus os deixe e que creem não poder fazer qualquer coisa.
Os ímpios agem dessa forma – disse Elifaz – mas foi Deus que encheu de bens a casa deles! Mesmo assim, ele dizia que não queria qualquer conselho dos ímpios! Eram palavras que pareciam falsas. Mas o discurso hipócrita continuava: - os justos ficarão alegres ao verem a sua destruição e os inocentes deles zombarão, proclamava Elifaz.
Com base nestas palavras, ele diz para que Jó se reconcilie com Deus, sujeite-se a Ele para ficar em paz e alcançar a prosperidade, aceitando a instrução de Sua boca e guardando as palavras em seu coração, como se ele, Elifaz, tivesse intimidade com Deus! Só que, como disse, ele não tinha a menor ideia de quem era Deus! Ele só sabia falar o óbvio: - se você, Jó, se converter ao Todo-Poderoso, será restabelecido e voltará a ser próspero! Se você se afastar da injustiça e abrir mão de suas riquezas terrenas, Deus será o seu ouro! Aquilo eram palavras, só palavras que em nada tocavam a alma de Jó! E então será isso, e então acontecerá aquilo, e você será uma bênção e não sei mais o quê!
E então Jó não suportava mais ouvir mais nada daqueles homens . . . daqueles amigos!
CAPÍTULO 23
As coisas estão funcionando da seguinte forma na mente de Jó: (1) Ele só queria encontrar-se com Deus e apresentar seus argumentos; (2) Deus não se deixa encontrá-Lo; (3) Se Ele se deixasse achá-Lo, não lhe faria acusações; (4) Mas Deus é soberano e faz o que quer; (5) Ninguém pode se Lhe opor; (6) Se há um decreto, se algo está determinado pela Sua providência eterna, assim se fará. Isso nada tem a ver com acusação, mas com a justiça de Deus, que Jó não conhece. Por isso, precisa achá-Lo; (7) Enquanto Jó não encontra a Deus, fica apavorado!
E na nossa mente, como funcionam? Jó não conhecia a justiça de Deus, mas a Igreja conhece!
Com relação à história da Rosy, as coisas estavam funcionando da seguinte forma na minha mente: (1) Eu só queria orar a Deus e apresentar meus argumentos com base na Palavra; (2) Deus não me respondeu nada. Ficou em silêncio; (3) Se Ele falasse qualquer coisa comigo, não me faria acusações; (4) Mas Deus é soberano e faz o que quer; (5) Ninguém pode se Lhe opor; (6) Se há um decreto, se algo está determinado pela Sua providência eterna, assim se fará. Isso nada tem a ver com acusação, mas com a justiça de Deus, que eu conheço. Mas a dor faz a gente viver como se não conhecesse. Por isso, precisa ouvi-Lo; (7) Enquanto não escutar a voz de Deus, fico apavorado!
Sem dores conseguimos crer e confiar! Com dores, cremos e dificilmente confiamos! Sem dores, descansamos na justiça de Deus e fica fácil olhar para a cruz! Com dores, muitas vezes nos esquecemos de que a justiça de Deus está na cruz de Cristo!
CAPÍTULO 24
Jó não entende a diferença de tratamento que Deus concede a justos e ímpios! Sabe que no fim todos serão colhidos e ceifados como espigas de cereal. Ele separa os homens em dois grupos: de um lado, os que não honram contratos, os ladrões de gado, os assassinos, os exploradores, os senhores da terra, os perversos, os que se revoltam contra a luz, os que não conhecem os caminhos de Deus e não permanecem em Suas veredas, os adúlteros, os que assaltam casas à noite e se escondem de dia, os que devoram a estéril e não demonstram bondade com as viúvas. De outro lado, os órfãos e as viúvas, as estéreis, os pobres e necessitados, os famintos que se alimentam do que sobra, as crianças arrancadas de suas mães, os recém-nascidos dados como paga, os que andam nus e descalços. Jó sabia que embora Deus prolongue os dias do valente, sua vida não tem segurança. São exaltados por um pouco de tempo, mas Deus não tira os olhos deles! Ele os arranca, embora estabelecidos. Por que Deus não exerce logo Sua justiça? Este era o questionamento de Jó!
CAPÍTULO 25
A discussão está quase esgotada. Parece que o combustível dos amigos de Jó está no fim. Bildade já não fala com tanta segurança acerca do castigo divino dos ímpios. Ele parece falar algo com alguma propriedade: exalta a Deus, dizendo que o domínio e o poder a Ele pertencem, que Ele ordena a paz nas alturas e domina um exército impossível de ser contado. Dessa forma, como poderia o homem ser justo ou puro diante de Deus?
CAPÍTULOS 26[48] - 31
CAPÍTULO 26
Jó inicia sua resposta, ironizando Bildade, como se ele tivesse ajudado sobremaneira ao que estava totalmente enfraquecido, aconselhado aos que não tinham sabedoria, e questionando qual espírito era aquele por quem ele se inspirava e falava! Então Jó, completamente fragilizado, se entrega à sua própria impotência diante de Deus e passa a discorrer como alguém que sabe lhe restar pouco fôlego para desabafar. A certeza que tinha pelo poder incomensurável de Deus desenha em sua mente o Seu perfil: os mortos tremem e vivem angustiados sob as águas; o Sheol[49] se humilha diante de Sua presença e não existe vestimenta que cubra o Abadom[50]; estende o céu sobre o vazio que não quer deixar descoberto e sob Sua Palavra deixa a terra suspensa sobre o nada; as nuvens se enchem de água como os odres que se esticam e não arrebentam. Ele cobre a lua com nuvens, quando ela é toda refletida na terra; usa o círculo do horizonte para criar uma fronteira entre a luz e as trevas; o universo se curva e se espanta diante de Sua repreensão; o mar e seus monstros[51]se lhe submetem; basta um sopro do Seu Espírito para que os céus fiquem límpidos; serpentes venenosas não resistem à Sua mão! E isso é apenas uma pequena demonstração do que é capaz! O homem não suporta ouvir, sequer, um simples sussurro de Sua voz, sendo assim, como entender o que diz quando troveja?
CAPÍTULO 27
Jó estava conformado com seu estado, mas jamais aceitaria o veredito dos homens, de estar passando por todo aquele sofrimento por ser injusto ou ímpio. Reconhecia, entretanto, que o Todo-Poderoso[52] tinha todo o direito de negar-lhe a justiça que tanto almejava. Mas ele se mantinha firme em sua integridade e não abria mão de suas convicções. Sua fé na justiça de Deus era inabalável! Ele só não conseguia entender por que tal justiça não se compatibilizava com o temor que tinha de Deus! Jó deixa claro para os amigos que os ímpios e injustos nada tinham a ver com ele, pois estes não teriam qualquer esperança quando partissem para a morte nem qualquer prazer em Deus! Ímpios e injustos eram seus adversários e inimigos! E então ele questiona por que motivo os amigos ficavam repetindo insistentemente e procurando ensinar algo, como se já não soubesse! Ele alistou tudo aquilo que sobrevinha ao ímpio: a morte acompanharia seus filhos, sua descendência não prosperaria, a pandemia se encarregaria de sepultar os sobreviventes e suas viúvas não chorariam pelos seus mortos! Os justos e os inocentes herdariam suas riquezas, sua sorte mudaria repentinamente, tudo o que lhes pertence desapareceria de uma hora para outra e seriam arrancados de seu lugar pela fúria da natureza!
CAPÍTULO 28
Em meio às dores e ao sofrimento, Jó tem a consciência espiritual de que nada pode ser tão precioso quanto à sabedoria e o entendimento. Lemos em Isaías 11:2 que o Espírito de sabedoria e de entendimento repousariam sobre o rebento que brotaria do tronco de Jessé – Jesus! De Provérbios 2:1-10, ouvimos a direção de Deus: Filho meu, se aceitares as minhas palavras e esconderes contigo os meus mandamentos, para fazeres atento à sabedoria o teu ouvido e para inclinares o coração ao entendimento, e, se clamares por inteligência, e por entendimento alçares a voz, se buscares a sabedoria como a prata e como a tesouros escondidos a procurares, então, entenderás o temor do SENHOR e acharás o conhecimento de Deus. Porque o SENHOR dá a sabedoria, e da sua boca vem a inteligência e o entendimento. Ele reserva a verdadeira sabedoria para os retos; é escudo para os que caminham na sinceridade, guarda as veredas do juízo e conserva o caminho dos seus santos. Então, entenderás justiça, juízo e equidade, todas as boas veredas. Porquanto a sabedoria entrará no teu coração, e o conhecimento será agradável à tua alma.
É como se Jó tivesse tido uma revelação do Espírito, pois observamos em Provérbios que somente com a sabedoria seria possível entender a justiça de Deus! E Jó sabia que a sabedoria e o entendimento não eram extraídos da essência humana, mas estavam nos tesouros escondidos de Deus! As coisas humanas tinham origem no conhecimento humano. Por exemplo, para obter-se prata, procura-se em minas de prata; para se refinar o ouro, locais apropriados para tal; da terra se extrai o ferro, e do minério se funde o cobre. O homem conhece os caminhos escabrosos e as dificuldades para se obter as riquezas da terra. A mesma terra que produz o alimento é revolvida e submetida misteriosamente por altas temperaturas para gerar ouro e pedras preciosas. Ou seja, embora a fonte seja o próprio Deus, o homem aprendeu o caminho das pedras! Mas riquezas como a sabedoria e o entendimento, onde poderiam ser encontrados? Jó sabia que a sabedoria não estava disponível entre os homens na terra! Ela era inegociável! Estava em outra dimensão e não tinha preço! Nada podia ser a ela comparada, pois seu valor ultrapassava o dos rubis, o do ouro mais fino de Ofir ou o topázio da Etiópia! De onde vem, então, a sabedoria e onde habita o entendimento? - questiona Jó! Só Deus conhece o caminho! Só Ele sabe onde a sabedoria habita! Sim, todas as riquezas insondáveis, como a sabedoria e o entendimento, estão guardados em Cristo! O abismo e a morte disseram que ouviram um rumor dela, um ruído da sabedoria! Entre a morte e a ressurreição de Cristo, eles ouviram um pequeno sonido! Foi só um fragor! Cristo ressuscitou!
CAPÍTULO 29
Jó não releva mais suas discussões com os amigos! Ele usa o pouco de energia física que ainda tem para manifestar a saudade do tempo em que Deus cuidava dele, iluminava seus caminhos e abençoava sua casa. Ele fala da saudade dos filhos e de seu próprio vigor, de sua prosperidade, no tempo em que ouviam seus conselhos e que era respeitado e admirado por todos. Jó tinha recordações do tempo em que era abençoado até mesmo por aqueles que estavam à beira da morte, tempo em que socorria viúvas, pobres, órfãos, cegos, aleijados e necessitados. Ele se vestia de retidão e justiça e defendia os oprimidos. Por isso achava que seus dias sobre a terra seriam longos, que suas forças seriam renovadas. Suas palavras e conselhos eram como que mandamentos para os homens, irradiando confiança e segurança. Era um líder, um pai, um rei, um consolador!
CAPÍTULO 30
Mas a realidade de Jó era outra! Ele se tornou em um provérbio de escárnio e agora vivia uma vida completamente oposta àquela que tinha saudades! Antes, chorava com os que choravam, sofria pelos que sofriam e passavam dificuldades, entristecia-se pelos pobres. Agora estes, que antes o respeitavam, zombam dele! Agora, aqueles que tinham força, nada mais podem produzir, de tanta fome e necessidade; se alimentam de plantas pantanosas e ervas, como animais em meio à vegetação! Os homens passaram a rejeitá-lo de todas as formas e a odiá-lo com todas as suas forças. Perderam todo o respeito que tinham por ele! Jó é escarnecido, humilhado, achincalhado em meio às dores e à fraqueza física e emocional. Não há mais qualquer resistência em seu interior para resistir à vida! Enquanto rico, nobre, saudável e próspero, todos o reverenciavam! Mas a verdade é que ninguém dá a mão ao homem arruinado, quando este, em sua aflição, grita por socorro! Não há uma mudança de atitude sem um juízo implícito! Eles olhavam para Jó como alguém que vivia a justiça de Deus, justiça baseada numa lei onde o sofrimento era fruto de iniquidade e impiedade! Mas Jó não perdia sua esperança, confiança e fé em Deus! Permanecia sem entender o motivo Dele não ouvir seus clamores, permanecer impassível, deixando a morte se aproximar como se estivesse brincando com ele, ao mesmo tempo em que se via envolvido pela justiça de Deus, uma justiça que os amigos e os homens não discerniam! Ele não entendia por que Deus o lançava na lama e era reduzido a menos que nada, mas mesmo assim, cria na Sua justiça! Jó sabia que a morte estava próxima, e sua alma vivia agitada! Não se preocupava mais com a morte, mas em falar com Deus e entender os motivos de todo aquele calvário. Quando ele esperava o bem, sobreveio o mal; quando procurava luz, vieram trevas. Sentia-se perambulando como se fora parente dos chacais e companheiro das corujas. Sua pele já não cobria os ossos, a febre era sua fiel e inseparável companheira e seus instrumentos estavam sendo afinados com o tom fúnebre do fim!
CAPÍTULO 31
Aquele que crê em Jesus é por Ele justificado! Justificado pela fé! Uma fé que vem, necessariamente, acompanhada de obras, mas não, por elas justificado. A fé sem obras é morta[53]! Todas essas ações de Jó seriam consequências de uma fé em Cristo, e não causa, se toda esta narrativa tivesse ocorrido após a cruz, todavia, tais ações não teriam sido suficientes para que ele fosse justificado e se tornado justo diante de Deus!
Os amigos de Jó se consideravam cheios de razão ao ver, nas condições em que estava vivendo, a história de um ímpio. Seja como for, não tiveram qualquer compaixão dele, somente prazer em proclamar suas verdades e sua lei diante do quadro que assistiam. Jó se achava justo diante de Deus por praticar o bem, pensar no próximo, acolher os necessitados, ajudar os pobres, e por isso, não aceitava o veredito de seus amigos. Sua justiça era cheia de condicionais também. Se fiz isso de bom, que o bom me acompanhe; se pequei contra o homem, que por ele seja julgado e o mau se torne para mim.
Vamos imaginar que Jó tivesse praticado em vida dois mil atos que merecessem louvor de Deus, mas tivesse cometido um, dois ou três pecados. A ira de Deus estaria sobre Jó? Deus estaria fazendo contas e pesando prós e contras para chegar a um veredito sobre o reto Jó? Ora, a lei de Moisés fala de 613 mandamentos! São 365 ações para não serem praticadas e 248 para serem cumpridas! Será que alguém, na face da terra, teria cumprido os 613 mandamentos da lei de Moisés? Certamente só houve uma pessoa! E essa pessoa teve que ser 100% homem e 100% Deus! Então, como pode o homem ser justificado pela lei? Por qualquer lei! Sabemos que por obras da lei, ninguém será justificado diante de Deus[54], mas sim, pela fé![55]! Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus, sendo justificados apenas pela Sua graça[56]! Essa, talvez, fosse uma palavra para ser dita a Jó! Ele tinha certeza que aquilo que ele entendia por justiça era suficiente, ao menos, para ter direito a uma explicação da parte de Deus! - Ah, se alguém me ouvisse! Agora assino a minha defesa. Que o Todo-poderoso me responda; que o meu acusador faça a acusação por escrito.Mas sem Cristo, todo o conceito da justiça de Jó estava baseado no procedimento natural que brotava em seu coração, servindo de lei para si mesmo! É como se a lei estivesse gravada no seu coração, testemunhando-lhe também a consciência e os seus pensamentos, mutuamente acusando-o ou defendendo-o[57]. Mais à frente veremos a confirmação dessa narrativa de Romanos, que conclui: no dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus, julgar os segredos dos homens, de conformidade com o meu evangelho[58].
Antes de entendermos os discursos e a pessoa de Eliú, preciso dizer algumas coisas sobre a minha própria vida: Quando Rosy ficou doente e o dia de sua morte se aproximava, mais eu clamava pela justiça de Deus! Eu usei demais a expressão lembra-te Senhor; está escrito, Senhor! Eu fiz de tudo para encostar Deus na parede, até que Ele pudesse me responder: ok, Rubens, você está com a razão. Rosy será curada! Mas não foi isso que aconteceu! Ele me disse um sincero e amoroso não!
Com Jó não foi diferente. Aliás, a diferença é que ele não tinha uma Bíblia no que se basear, mas sua própria lei! É como se ele dissesse: - Senhor: fiz isso aos pobres e necessitados, dei água aos sedentos, comida aos famintos, dei agasalhos aos que sentiam frio, vindiquei a causa dos injustiçados, defendi os oprimidos e tal. E a justiça de Jó era aquela justiça condicional: se fiz isso de bom, que o bem me acompanhe; mas se pequei, que seja julgado! Jó achava que toda a vida maravilhosa que antes vivia era fruto de suas ações e de seu esforço. Mas necessariamente não era!
Vivemos sob a graça, sob a dispensação da graça, mas tudo aquilo que Jó viveu antes de seu calvário também foi uma forma inequívoca da evidência da graça de Deus em sua vida! Ele não fez nada por merecer todos aqueles bens, toda aquela vida de paz e prosperidade, pois a lei, digo, os eventos do Sinai ainda não tinham acontecido. A lei era sua própria lei, a lei de seu coração, a lei de um Deus que ele conhecia de ouvir falar! As bênçãos de Deuteronômio[59] não haviam sido estabelecias ainda! A motivação era muito mais ética do que espiritual! Aquilo era a manifestação plena de um favor imerecido! Mas ele não tinha essa revelação e não entendia dessa forma. E então, quando tudo acontece, ele fica sem chão, sem entender absolutamente nada! Ele quer falar com Deus, quer explicações, acha justo que as tenha, embora reconheça a soberania de Deus! Comigo não foi diferente! Quando Rosy morreu, eu perguntei a Deus: Que justiça foi essa, Senhor? Era isso que o Senhor tinha preparado para mim?
Então passei a perceber o Corpo de Cristo com foco nas dores e aflições. Não conheço um crente que não tenha problemas e dificuldades, uns de ordem familiar: o filho está afastado da Igreja, a filha namora o carinha das drogas, o casamento está uma farsa; outros, de outra origem: questões de saúde, depressão, dificuldades na área profissional ou financeira, frustrações na área afetiva, demora de casos na justiça, seja lá o que for! Mas sabemos que em Cristo somos mais que vencedores! Temos que aprender a viver na certeza de que mesmo que o placar esteja desfavorável, quando o jogo terminar, teremos vencido!
Somos peças de um quebra-cabeça, cuja silhueta é o Corpo de Cristo. Pois estávamos com Cristo na Sua cruz para morrermos, sermos sepultados e depois ressuscitarmos com Ele para vivermos nos lugares celestiais, em glória! Cada peçazinha deste quebra-cabeça somos você e eu, um corpo que se encaixa num Corpo de dores, pois lá estávamos com Ele para que, pela fé, vislumbrássemos uma eternidade sem qualquer dor ou enfermidade: o Shalom eterno de Deus! Se montarmos aquele quebra-cabeça, cada peçazinha vai entrar amassada, rasgada, manchada, quebradiça, como um brinquedo dentro de uma caixa empoeirada, mas quando tudo é consumado na cruz, o Corpo ressurge para a glória de Deus: perfeito, saudável, impecável, eterno!
O segredo é que Graça e a Justiça se equivalem e convergem para a mesma Pessoa: Cristo! E Cristo crucificado! Todas as promessas que estão na Palavra são manifestações da graça de Deus em Cristo, revelado ou não! E todo o sofrimento que nos aflige é fruto da manifestação da justiça de Deus em Cristo, na cruz do Calvário! Nada disso vale para quem não está em Cristo! Cristo é a graça de Deus! Cristo é o favor imerecido de Deus! Foi essa graça que permitiu Jó viver a abundância de dias prósperos e pacíficos, cheios de saúde e harmonia. E foi a justiça de Deus que aponta para a cruz de Cristo que, mesmo que hoje tenhamos dificuldade de entender, permitiu que Jó vivesse aqueles dias terríveis! A cruz é um lugar de graça e de justiça! A graça não dói! A justiça dói!
Foi essa graça que me permitiu viver 30 anos com uma mulher doce, amiga, companheira e cheia de unção e da graça de Deus! E foi a justiça de Deus, em Cristo, naquele lugar de maldição, que me tem aperfeiçoado nas dores terríveis e na saudade absurda que sinto dela!
No final, Jó vai entender isso tudo! Eu comecei a entender agora! A graça de Deus é tudo aquilo que a gente recebe por pura manifestação do amor de Deus para todo aquele que crê no sacrifício da cruz. A justiça de Deus é tudo aquilo que foi cravado na cruz, para que, pela fé, tivéssemos paz com Deus! O sofrimento de Cristo não livra a Igreja do seu sofrimento, pois ela é o Corpo!
CAPÍTULO 32
O texto dá a entender que os amigos de Jó pararam de retrucar seus argumentos, pois não conseguiram convencê-lo de que tudo aquilo que ele estava passando era fruto de um comportamento incompatível com a justiça de Deus.
Então aparece Eliú (hb.Elihu), que traduzido significa Ele é meu Deus, e manifesta indignação contra Jó por se justificar diante de Deus; e contra os amigos, pois estes não sabiam como refutar os argumentos de Jó, e mesmo assim, o tinham condenado, atitude típica de religiosos e legalistas. Eliú só entra em cena quando os amigos não tinham mais argumentos! Mas onde se encontrava Eliú? Estava assistindo a tudo aquilo à distância, respeitando os sábios e de mais idade? Ele surge quando a lei não tem mais como ajudar! A lei não prevalece diante da graça! Caducou!
Eis uma visão nítida da graça que foi manifestada, quando a lei nada mais tinha o que acrescentar nesse episódio! Ele aguarda uma oportunidade para falar porque os amigos eram mais velhos, tal como a lei em relação à graça. Eliú achava que as palavras dos sábios, geralmente anciãos, deveriam ser suficientes, mas conclui que não é a razão, obras da lei ou conhecimento humano que devem persuadir alguém, mas é o espírito do homem, inspirado e revelado por Deus, que deve estar apto para ensinar. Então Eliú, diante daquele cenário, se enche de autoridade para falar o que pensa de tudo aquilo, e se espanta pelo fato de que nenhum dos três amigos conseguiu convencer Jó! E foi logo cortando qualquer possibilidade hipócrita de que algum deles dissesse que toda a sabedoria foi passada a Jó, e que Deus é quem haveria de refutá-lo, e não eles! Eliú apontava para Jó, dizendo que os amigos não tinham mais palavras para lhe dizer. Eles estavam calados e consternados. Então ele se coloca na condição de quem esperou e agora havia chegado a sua vez de opinar sobre tudo aquilo. Algo como: [Josué], Moisés, meu servo, é morto[60]. Eliú está cheio de palavras, com uma vontade enorme de proferir verdades, impulsionado pelo espírito, prestes para explodir em argumentos, sabendo que ao dirigir-se para Jó, certamente não repetiria os mesmos discursos vazios dos amigos, mas seus argumentos seriam diferentes. Suas palavras não voltariam vazias[61]! Só assim, se sentiria aliviado. E não seriam meias palavras, mas sim, sim; não, não!
CAPÍTULO 33
Eliú faz todo um suspense para falar com Jó, mas deixa claro que sua intenção – ao mesmo tempo que é falar a verdade que está em seu coração – é não se tornar mais um fardo para ele. Ele faz um relato com base nos argumentos de Jó, no tocante a ser puro e sem pecado ou culpa, não entendendo os motivos de Deus observar um homem como ele e procurar motivos para ser seu inimigo, acorrentando seus pés e vigiando seus caminhos, como um guarda que impede que alguém escape da masmorra. Para Eliú, o orgulho de Jó impediu que ele percebesse a voz de Deus e, mesmo sendo maior que o homem, Ele responde de várias maneiras aos seus questionamentos, seja em sonhos ou visões, advertindo-o de suas más ações, a fim de preservá-lo da dor e da morte. Para Eliú, o homem também pode ser castigado com enfermidades e dores terríveis, vivendo como se esperando somente a morte. Então ele introduz o conceito de resgate, que revoluciona os diálogos ocorridos até aqui! Em outras palavras, ele diz que mesmo o homem sendo condenado em seu orgulho, havendo um mediador celestial que ensine ao homem o que é certo e que por ele interceda e advogue sua causa para que Deus lhe seja favorável – pois encontrou resgate para ele – ele poderia ser curado, rejuvenescido, voltando a ser como criança! Ele poderia orar a Deus e receber o seu favor! Veria o rosto de Deus e se alegraria, e então Deus lhe restituiria a condição de justo! Depois ele testemunharia da graça, da justiça e do amor de Deus. Assim, mesmo tendo pecado, Deus não daria ao homem aquilo que ele merecia! Deus não desiste do homem, mas se alegra em transformá-lo e aperfeiçoá-lo com base na cruz! Ora, quanta riqueza em graça encontramos nestas palavras de Eliú! Em quem nossa mente é remetida quando mencionamos um mediador celestial ou de quem estaríamos nos referindo quando imaginamos a fonte que ensina o certo ao homem? Quem viria para convencer o mundo do pecado, da justiça e do juízo[62]? Ser resgatado, ser salvo, orar a Deus e receber sua bendita graça, restituir nossa condição de justo diante de Deus! A resposta está em Cristo, o Deus Único bem perto de nós! Só Jesus Cristo! Só o Espírito Santo! O objetivo de Eliú era absolver a Jó e ensinar-lhe a sabedoria! Isso tudo faz de Jó um tipo evidente da Pessoa de Jesus Cristo!
CAPÍTULO 34
Eliú continuou a falar e apontou para os amigos de Jó, para que eles também discernissem o que é certo e aprendessem o que é bom. Isso aponta para a conversão de Israel! Ele faz um resumo das reflexões e refutações que Jó se baseou nos diálogos com os amigos, usando a premissa de sua inocência e não entendendo, consequentemente, o motivo de Deus negar-lhe justiça. Considerava como axioma o fato de estar certo e, não aceitava ser tachado de mentiroso. Achava-se sem culpa e não encontrava motivos para viver em meio àquela enfermidade. Ao mesmo tempo que fala aos amigos, ele faz questão de parecer concordar com eles quando diz que não há ninguém na terra mais escarnecido do que Jó, que anda com homens maus, pratica a iniquidade e proclama que nada adianta ao homem ter seu prazer em Deus! Certamente eles deveriam estar concordando com a cabeça! É fato que não era isso que Eliú pensava de Jó.
Eliú mexia com o ego dos amigos, dizendo que eles tinham conhecimento e afirmando que Deus não pratica o mal nem a iniquidade, mas retribui ao homem segundo suas obras e sua conduta. Em todo o tempo, Eliú faz questão de fazer com que Jó e seus amigos entendam que é impossível que Deus perverta Sua justiça! O que eles não poderiam entender naquele momento é que a justiça de Deus é Cristo! E para que eles definitivamente entendessem o caráter do Deus que eles ficaram discutindo, Eliú lembra que ninguém O nomeou para governar a terra nem O encarregou de cuidar do mundo! E que se fosse Sua intenção retirar o sopro e vida das pessoas, a humanidade pereceria toda de uma vez e o homem voltaria ao pó!
Ninguém que odeia a justiça poderá governar qualquer coisa! Logo, a conclusão de Eliú é a de que Deus é justo! E se justo e poderoso, quem o condenaria? Ele é um Deus que pode dizer que os nobres são ímpios ou que os reis nada representam. Ele não favorece o rico para prejudicar o pobre e é completamente imparcial. Deus não faz acepção de pessoas! Todos são obras de Suas mãos!
Somente um Deus perfeitamente justo opera dessa forma! Ele tudo vê, seja à luz, à sombra ou em trevas. Estas não Lhe são escuras. Para Ele, as trevas e a luz são a mesma coisa[63]! Ele não se sujeita ao tempo do homem, pois vive na dimensão da eternidade. Deus não precisa de investigações para montar processos e julgar como o homem julga. Se Ele quiser, destrói os poderosos e os substitui; se ele ouvir o clamor do pobre e o grito do necessitado, não esconderá Seu rosto! E mesmo que Ele permaneça calado, quem O condenará? Ele não permite que o ímpio governe e prepare armadilhas para o povo. Ele é justo e zeloso.
Então Eliú se dirige a Jó, faz uma suposição e pede para que ele imagine um homem se humilhando diante de Deus, reconhecendo sua culpa, se propondo a não pecar mais, e pedindo que Deus lhe ajude em suas fraquezas pra não voltar a transgredir. Como Deus deverá recompensar este homem? O que você pensa a respeito, Jó? - questiona Eliú! E prosseguiu: - seus amigos dizem que não há discernimento em suas palavras, que além de pecado há revolta e sarcasmo em seu discurso, multiplicando suas palavras contra Deus.
CAPÍTULO 35
Eliú traz à tona uma questão diferente, além do fato de se buscar a verdade dos fatos sobre a condição de Jó, associado ao pecado ou à justiça: deixar o seu eu de lado e pensar no coração de Deus em meio a toda aquela conversa! Pois até aqui, as discussões entre os amigos de Jó e ele estavam limitadas ao mérito em si, aos benefícios que podiam ou deviam ser alcançados, se a condição de Jó era ou não fruto de uma vida de um homem justo. Eliú faz com que Jó e seus amigos tenham uma introspecção de todo aquele comportamento e analisem por si mesmos se é justo pensarem somente em si com perguntas do tipo: que vantagem teremos se não pecar, o que ganharemos com isso etc.? Tudo o que importava para Jó era ser absolvido por Deus, poder provar para Ele que era um homem justo, segundo suas premissas de justiça. Então Eliú começa a discorrer sobre a dimensão de Deus, fazendo-os olhar para o alto, até que entendessem que a verdadeira dimensão do pecado e da justiça não tinha consequências apenas contra o homem, mas antes, para Deus! Como alguém poderia ser justo diante de Deus ou ser justo para Deus?
Do céu, olha Deus para os filhos dos homens, para ver se há quem entenda, se há quem busque a Deus[64]. Davi disse para Deus: Não entres em juízo com o teu servo, porque à tua vista não há justo nenhum vivente[65].
Não se percebe até aqui nem Jó, e muito menos os amigos, se dirigirem a Deus em espírito de humildade, para nada além de se justificarem a si mesmos. Cada lado querendo convencer o outro, que estava certo. Eliú resume isso quando diz que os homens se lamentam sob fardos de opressão (Salomão diz que a opressão faz endoidecer até o sábio[66]), em meio às dificuldades, mas ninguém pergunta onde está o Deus Criador, que ensina a sabedoria, que nos redime, nos guarda e nos aconchega! Então, quando clamam – lamenta Eliú – Ele não responde por causa da arrogância, não responde quando pedimos pressa na resposta, quando dizemos que Ele não dá a devida atenção à iniquidade ou que Sua ira jamais castiga. Realmente o homem fala muita bobagem! E os pensamentos de Deus não são os nossos pensamentos e estão muito acima[67]!
Este é Jó, e assim somos muitos de nós, mimados espirituais, homens de fé muito superficial, que nos enchemos de tantos direitos diante de Deus e nos vemos como justos. Por ignorância tiramos Deus do centro de nossas vidas e nos colocamos ali! Jó não conhecia a Cristo. Nós conhecemos! Ou deveríamos saber quem somos em Cristo! E bem sabemos o que significa tirar Cristo do centro de nossas vidas! Jó se comporta como um homem ignorante em suas palavras vãs, embora não houvesse na terra ninguém semelhante a ele, íntegro, reto, temente a Deus e que se desviava do mal.
CAPÍTULO 36
Eliú apresenta credenciais impressionantes. Uma tipologia de Jesus, uma sombra de Cristo! Pois quem, verdadeiramente poderia falar verdades em defesa de Deus, se não o próprio Deus? Quem abriria a boca com autoridade naquele cenário para dizer que de longe lhe vinha o conhecimento ou, mais ainda, que ele era a perfeição no conhecimento? Eliú fala pelo Espírito, e seu foco ora está nas coisas celestiais, ora nas coisas da terra.Quando ele diz que Deus não poupa a vida dos ímpios, mas garante o direito dos aflitos, isso parece apontar para a eternidade. Da mesma forma, quando afirma que Ele não tira os Seus olhos do justo, mas o coloca nos tronos com os reis e o exalta para sempre, certamente, tal narrativa é profética. Este justo é aquele que é declarado justo, justificado pela cruz de Cristo! Todavia, quando fala na possibilidade de arrependimento daqueles que praticaram o mal, o foco está neste planeta!
Eliú deixa bem claro em seu discurso, a diferença entre um coração ímpio e o coração de um homem puro, mas que não conhece a Deus: o ímpio guarda ressentimento e quando preso, não pede socorro a Deus: é arrogante, prepotente, orgulhoso, autossuficiente e morre jovem. Já aquele que é temente a Deus, é livre do sofrimento, e Deus fala com ele na sua angústia. A mesa farta e seleta em um lugar amplo e confortável será parte de sua vida[68]. Aqui, discernimos a prosperidade na terra e no porvir! Quando ele se refere a levar o justo para longe das mandíbulas da aflição, certamente Ele tem o inferno e o diabo em mente!
E então Eliú se parece com Salomão, em Provérbios, quando ensina a não se deixar seduzir pelas riquezas, nem se deixar desviar por subornos, pois nada disso os aliviaria em meio às dores; pelo contrário, só os afastaria de Deus! Ou que ninguém anseie pela noite nem procure uma vida regada à iniquidade, pois ela levaria o homem à aflição, ou melhor, à perdição.
Eliú passa a exaltar a Deus, glorificando Seu poder e sabedoria! Ele faz com que Jó e seus amigos se sintam pequenos diante da dimensão de Deus, quando pergunta: quem lhe prescreveu caminhos ou pôde criticá-lo de alguma forma? Suas obras deveriam ser exaltadas em meio aos louvores – ensina Eliú – pois toda a humanidade as vê!
Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis[69].
Como Deus é grande - exulta Eliú! Ultrapassa o nosso entendimento! Não há como calcular os anos da sua existência! Ele atrai as gotas de água que se dissolvem e descem como chuva para os regatos; despeja as nuvens em aguaceiros sobre a humanidade. Quem pode entender como Ele estende as suas nuvens, como Ele troveja desde o seu pavilhão? Observe como Ele espalha os seus relâmpagos ao redor, iluminando até as profundezas dos mares. É assim que Ele governa as nações e lhes fornece grande fartura. Ele enche as mãos de relâmpagos e lhes determina o alvo que deverão atingir. Seu trovão anuncia a tempestade que está a caminho; até o gado a pressente!
CAPÍTULO 37
Quando Jó acabou de ouvir essas palavras, seu coração parecia querer sair pela boca! Eliú continuou exaltando a Deus, sempre com ênfase nos mistérios da natureza: o som do Seu estrondo ou o trovejar de Sua majestosa voz. Faz coisas grandiosas acima do nosso entendimento! Dá ordem à neve para cair sobre a terra, e à chuva, para alagar a terra seca. Ele faz com que os homens conheçam Sua obra e os animais seguem a direção por Ele determinada. A tempestade e o vento se manifestam à Sua Palavra: o gelo, a umidade, os relâmpagos, tudo existe por Ele e para Ele! Traz as nuvens para regar a terra e mostrar Seu amor ao homem!
Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém[70]!
Eliú está preparando Jó para falar com Deus! Ele pede para que ele reflita em Suas maravilhas e responda se sabe como Deus comanda os elementos da natureza, por exemplo. Faz com que Jó entenda que Deus não é homem, que ninguém pode aconselhá-lo ou ajudá-lo a nada[71]! Fora de nosso alcance está o Todo-poderoso, exaltado em poder; mas, em Sua justiça e retidão, não oprime ninguém. Por isso os homens O temem; não dá Ele atenção a todos os sábios de coração? Ele é Deus!
CAPÍTULO 38
A gente sempre imagina Jó, seus amigos, e depois Eliú, sentados como em um teatro ao ar livre. Os dias se passam, e se antes não houve chuvas ou se dormiam ao relento, agora surge uma tempestade ou redemoinho. O original traz em hebraico a palavra saara, que pode significar tanto uma coisa quanto outra! Eu prefiro redemoinho, com base na passagem de 2Rs.2:11, quando Elias subiu ao céu num carro de fogo com cavalos de fogo em um redemoinho. Aqui, faz mais sentido redemoinho do que subir numa tempestade. Talvez devamos entender saara como a tempestade do Senhor[72], um redemoinho! De qualquer forma, que cena deve ter se formado, repentinamente, diante dos olhos daqueles cinco homens! Um movimento violento e rotativo de águas, em espiral, ensurdecedor, voraz! Eu imagino algo assim! Mais aterrorizante ainda é ter surgido de dentro deste redemoinho uma voz, que não se identifica por qualquer nome, indo direto ao assunto. No evento da sarça[73], Deus chama Moisés pelo nome! Com Elias, Deus não estava no fogo, no terremoto ou no vento, mas na voz tranquila e suave[74]. No Tanach, inúmeras vezes o Senhor Se apresenta aos Seus servos na forma: Eu sou o Senhor vosso Deus (que vos tirei na terra do Egito[75], por exemplo). Aqui Ele Se apresenta respondendo a Jó, sem mencionar seu nome! Se fosse eu, teria sucumbido à primeira pergunta ou afundado meu rosto na terra! Quando Ezequiel viu o resplendor da glória do Senhor, caiu sobre seu rosto[76]! A imagem poderia ter sido a de um filme de terror, mas certamente, esse não era o objetivo de Deus!
Eles, porém, vendo-o andar sobre o mar, pensaram tratar-se de um fantasma e gritaram. Pois todos ficaram aterrados à vista dele. Mas logo lhes falou e disse: Tende bom ânimo! Sou eu. Não temais[77]!
Ao mesmo tempo em que Jó ouve as perguntas de Deus e certamente se apequena diante de tamanho poder, Deus usa aquele cenário para mostrar Suas prerrogativas! Quem é esse que obscurece o meu conselho com palavras sem conhecimento? - pergunta Deus! Em outras palavras, Ele diz o seguinte para Jó: sua falta de conhecimento e seu orgulho acabaram ocultando, escondendo (hb.chashak) os meus propósitos (hb.etsah)! Mas é nítido que Deus fala em graça para Jó!
Deus, o Deus de quem Jó aguardava para ser justificado, o Deus de quem Jó esperava ouvir as razões de sua angústia, fala para que ele se posicione como homem simples para responder algumas perguntas. E certamente, isso vale para cada um de nós, quando questionamos a Deus, especialmente quando estamos sendo chicoteados com arame farpado nas costas e sofrendo perdas irreparáveis que não cessam de sangrar na alma. O ímpio não terá resposta de Deus! Mas nós temos essa resposta: Cristo e Sua cruz!
Ou seja, não é: onde você estava quando lancei os alicerces da terra?, mas: onde estávamos quando Deus lançou os alicerces da terra? Em amor, quando Deus diz: responda-me já que você sabe tanto, Ele começa a ensinar a Jó a não procurar justiça em sua própria lei, mas em reconhecer que para sermos justificados, dependemos totalmente de Deus! De Cristo! E então é necessário que Deus discorra sobre Seu poder e sabedoria para que primeiramente coloque o homem no seu devido lugar.
(1) Quem determinou as medidas da terra? (2) Quem estendeu sobre ela a linha de medir? (3) Onde estão apoiadas as suas bases? (4) Quem colocou sua pedra de esquina, enquanto as estrelas matutinas juntas cantavam e todos os anjos se regozijavam? (5) Quem represou o mar com portões, quando ele irrompeu do ventre materno, quando o vesti de nuvens e em densas trevas o envolvi, quando fixei os seus limites e lhe coloquei portas e barreiras, quando eu lhe disse: até aqui você pode vir, além deste ponto não, aqui faço parar suas ondas orgulhosas? (6) Alguma vez na vida você deu ordens à madrugada ou mostrou ao amanhecer o seu lugar, para que ela apanhasse a terra pelas pontas e sacudisse dela os ímpios?
A terra se modela como o barro debaixo do selo, e tudo se apresenta como um vestido. Aos ímpios é negada a sua luz, e quebra-se o seu braço levantado. (7) Você já foi até às nascentes do mar ou já passeou pelas obscuras profundezas do abismo? (8) As portas da morte lhe foram mostradas? (9) Você viu as portas das densas trevas? (10) Tens idéia de quão imensas são as áreas da terra? Fale-me, se é que você sabe! (11) Como se vai ao lugar onde mora a luz? (12) Onde as trevas residem? Poderá você conduzi-las ao lugar que lhes pertence? Conhece o caminho da habitação delas?Vai ver que conhece, pois você já tinha nascido! Você já viveu tantos anos! (13) Acaso você entrou nos reservatórios de neve, já viu os depósitos de saraiva que eu guardo para os períodos de tribulação, para os dias de guerra e de combate? (14) Qual o caminho por onde se separam os relâmpagos? (15) Onde é que os ventos orientais são distribuídos sobre a terra; (17) Quem é que abre um canal para a chuva torrencial e um caminho para a tempestade trovejante, para fazer chover na terra em que não vive nenhum homem, no deserto onde não há ninguém, para matar a sede do deserto árido e nele fazer brotar vegetação? (16) Acaso a chuva tem pai? (18) Quem é o pai das gotas de orvalho? (19) De que ventre materno vem o gelo? (20) Quem dá à luz à geada que cai dos céus, quando as águas se tornam duras como pedra e a superfície do abismo se congela? (21) Você pode amarrar as lindas Plêiades ou (22) afrouxar as cordas do Órion? (23) Pode fazer surgir no tempo certo as constelações ou fazer sair a Ursa com os seus filhotes? (24) Você conhece as leis dos céus? (25) Você pode determinar o domínio de Deus sobre a terra? (26) Você é capaz de levantar a voz até às nuvens e cobrir-se com uma inundação? (27) É você que envia os relâmpagos, e eles lhe dizem: Aqui estamos? (28) Quem foi que deu sabedoria ao coração e entendimento à mente? (29) Quem é que tem sabedoria para avaliar as nuvens? (30) Quem é capaz de despejar os cântaros de água dos céus, quando o pó se endurece e os torrões de terra grudam uns nos outros? (31) É você que caça a presa para a leoa e satisfaz a fome dos leões, quando se agacham em suas tocas ou ficam à espreita no matagal? (32) Quem dá alimento aos corvos quando os seus filhotes clamam a Deus e vagueiam por falta de comida?
CAPÍTULO 39
(33) Você sabe quando as cabras montesas dão à luz? (34) Você está atento quando a corça tem o seu filhote? (35) Acaso você conta os meses até nascerem os filhotes? (36) Sabe em que época elas têm as suas crias? Elas se agacham, dão à luz os seus filhotes e suas dores se vão. Eles crescem nos campos e ficam fortes; partem e não voltam mais. (37) Quem pôs em liberdade o jumento selvagem? (38) Quem soltou suas cordas? Eu lhe dei o deserto como lar, os leitos secos de lagos salgados como sua morada. Ele se ri da agitação da cidade e não ouve os gritos do guia. Vagueia pelas colinas em busca de pasto e daquilo que é verde. (39) Será que o boi selvagem consentirá em te servir e em passar a noite ao lado dos cochos do seu curral? (40) Poderá você prendê-lo com arreio na vala? Irá atrás de você arando os vales? (41) Você confiará nele devido à sua grande força? (42) Vai deixar a cargo dele o trabalho pesado que você tem que fazer? (43) Tem certeza de que ele recolherá o seu trigo e o ajuntará na sua eira? A avestruz bate as asas alegremente. Que se dirá então das asas e da plumagem da cegonha? Ela abandona os ovos no chão e deixa que a areia os aqueça, esquecida de que um pé poderá esmagá-los, que algum animal selvagem poderá pisoteá-los.Ela trata mal os seus filhotes, como se não fossem dela e não se importa se o seu trabalho é inútil. Isso porque Deus não lhe deu sabedoria nem parcela alguma de bom senso. Contudo, quando estende as penas para correr, ela ri do cavalo e daquele que o cavalga. (44) É você que dá força ao cavalo ou veste o seu pescoço com sua crina tremulante? (45) Você o faz saltar como gafanhoto, espalhando terror com o seu orgulhoso resfolegar? Ele escarva com fúria, mostra com prazer a sua força e sai para enfrentar as armas. Ele ri do medo, nada teme e não recua diante da espada.A aljava balança ao seu lado, com a lança e o dardo flamejantes. Num furor frenético ele devora o chão e não consegue esperar pelo toque da trombeta. Quando esta toca, ele relincha: Eia! De longe sente cheiro de combate, o brado de comando e o grito de guerra. (46) É graças à inteligência que você tem que o falcão alça voo e estende as asas rumo sul? (47) É pelo seu comando, que a águia se eleva, e no alto constrói o seu ninho? Um penhasco é sua morada e ali passa a noite; uma rocha escarpada rochosa é a sua fortaleza. De lá sai ela em busca de alimento; de longe os seus olhos o veem. Seus filhotes bebem sangue, e, onde há mortos, ali ela está.
CAPÍTULO 40
(48) Aquele que contende com o Todo-poderoso poderá repreendê-lo? Que responda a Deus aquele que O acusa!
Então Jó respondeu ao Senhor: Sou indigno! Como posso responder-te? Ponho a mão sobre a minha boca. Falei uma vez, mas não tenho resposta; sim, duas vezes, mas não direi mais nada!
Depois, o Senhor falou a Jó do meio do redemoinho:
Prepare-se como simples homem que é. Eu lhe farei perguntas e você me responderá. (49) Você vai pôr em dúvida a minha justiça? (50) Vai condenar-me para justificar-se? (51) Seu braço é como o braço de Deus, e sua voz pode trovejar como a dele? Adorne-se, então, de excelência e glória, e se vista de majestade e honra. Derrame a fúria da sua ira, olhe para os orgulhosos e humilhe-os, esmague os ímpios onde estiverem. Enterre-os todos juntos no pó; encubra os rostos deles no túmulo. Então admitirei que a sua mão direita pode salvar você! Veja o Beemote[78] que criei quando criei você e que come de capim como o boi. Que força ele tem em seus lombos! Que poder há nos músculos do seu ventre! A cauda dele balança como o cedro e os nervos de suas coxas são firmemente entrelaçados. Seus ossos são canos de bronze, seus membros são varas de ferro. Ele ocupa o primeiro lugar entre as obras de Deus[79]. No entanto, o seu Criador pode chegar a ele com Sua espada. Os montes lhe oferecem os seus produtos e todos os animais selvagens brincam por perto. Sob os lotos[80] se deita, oculto entre os juncos do brejo. Os lotos o escondem à sua sombra; os salgueiros junto ao regato o cercam. Quando o rio se enfurece, ele não se abala; mesmo que o Jordão encrespe as ondas contra a sua boca, ele se mantém calmo. Poderá alguém capturá-lo pelos olhos, ou prendê-lo em armadilha e enganchá-lo pelo nariz?
CAPÍTULO 41
(52) Você consegue pescar com anzol o leviatã ou prender sua língua com uma corda? (53) Consegue fazer passar um cordão pelo seu nariz ou atravessar seu queixo com um gancho? Passa pela sua mente lhe implorar misericórdia e lhe falar palavras amáveis? Acha que ele vai fazer acordo com você, para que você o tenha como escravo pelo resto da vida? (54) Acaso você consegue fazer dele um bichinho de estimação, como se ele fosse um passarinho ou consegue colocar nele uma coleira para as suas filhas? (55) Poderão os negociantes vendê-lo ou reparti-lo entre os comerciantes? (56) Consegue encher de arpões o seu couro e de lanças de pesca a sua cabeça? Se puser a mão nele, a luta ficará em sua memória e nunca mais você tornará a fazê-lo. Esperar vencê-lo é ilusão. Só vê-lo já é assustador! Ninguém é suficientemente corajoso para despertá-lo; (57) Quem então será capaz de resistir a mim? Quem primeiro me deu alguma coisa, que eu lhe deva pagar? Tudo o que há debaixo dos céus me pertence! Não deixarei de falar de seus membros, de sua força e de seu porte gracioso. (58) Quem consegue arrancar sua capa externa? (59) Quem se aproximaria dele com uma rédea[81]? (60) Quem ousaria abrir as portas de sua boca, cercada com seus dentes temíveis? Suas costas possuem fileiras de escudos firmemente unidos; cada um está tão junto do outro que nem o ar passa entre eles, pois estão tão interligados, que é impossível separá-los! Seu forte sopro atira lampejos de luz; seus olhos são como os raios da alvorada. Tições saem da sua boca; fagulhas de fogo estalam. Das suas narinas sai fumaça como de panela fervente sobre fogueira de juncos. Seu sopro faz o carvão pegar fogo e da sua boca saltam chamas. Tanta força reside em seu pescoço que o terror vai adiante dele! As dobras da sua carne são fortemente unidas. São tão firmes que não se movem. Seu peito é duro como pedra, rijo como a pedra inferior do moinho. Quando ele se ergue, os poderosos se apavoram e fogem com medo dos seus golpes. A espada que o atinge não lhe faz nada: nem a lança, nem a flecha, nem o dardo. Ferro, ele trata como palha, e bronze, como madeira podre. As flechas não o afugentam, as pedras das fundas são como cisco para ele. O bastão lhe parece fiapo de palha e o brandir da grande lança o faz rir. Debaixo de seu ventre ele tem escamas pontiagudas e deixa rastro na lama como o trilho de debulhar. Ele faz as profundezas se agitarem como caldeirão fervente e revolve o mar como pote de unguento. Deixa atrás de si um rastro cintilante, como se o abismo tivesse uma cabeleira branca. Nada na terra se equipara a ele: criatura destemida! Com desdém olha todos os altivos e reina soberano sobre todos os orgulhosos.
CAPÍTULO 42
Jó está entalado com a pergunta que Deus fez no início: Quem é esse que obscurece o meu conselho sem conhecimento? O que Deus estava querendo dizer para Jó, falando dos segredos da natureza ou de criações como o Beemote e o Leviatã? Deus mostrou para Jó a grandeza do Seu poder, Sua autoridade, domínio, graça, soberania, majestade, santidade, conselho, entendimento, fortaleza, glória e justiça!
Deus não perverte o juízo e faz justiça aos aflitos. Ele é poderoso, mas não despreza os homens nem tira os olhos do justo! Teria coragem Jó de pôr em dúvida a justiça de Deus? Iria condenar a Deus para justificar-se? Quem poderia resistir ao Senhor que criou o Beemote e o Leviatã? Justo é quem tem o poder para ser justo! Eis um Deus justo e gracioso! Depois de ouvir a voz do redemoinho, Jó confessa que falou de coisas que não entendia, coisas tão maravilhosas que não poderia saber, se não lhe fossem reveladas! Até então ele conhecia Deus de ouvir falar, mas agora seus olhos O viram! E então Jó pôde constatar a diferença entre Deus e o homem, e o mais importante: ele se arrepende!
Em meio às minhas orações pela cura da Rosy, eu queria tocar no coração de Deus, lembrando que estava escrito: Eu é que sei que pensamentos que tenho a vosso respeito, diz o SENHOR; pensamentos de paz e não de mal, para vos dar o fim que desejais[82]. Eu só desejava Rosy longe das dores daquela maldita enfermidade! Eu me lembrava do texto de Isaías que dizia: Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido. Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados[83]. Vários irmãos, de várias igrejas, se uniram em oração pela sua cura, e então a narrativa da parábola do juiz iníquo me vinha à mente[84]! Ora, eu estava batendo à porta, não de um juiz iníquo, mas do Juiz dos juízes, pedindo que não permitisse que fosse cometida uma injustiça, pois Rosy era justiça de Deus! Eu estava importunando os céus, crendo que Deus faria justiça aos Seus escolhidos, que a Ele clamavam dia e noite, embora parecesse demorado em defendê-los. Mais do que isso: Jesus disse que depressa o Juiz faria justiça! Justiça de Deus ali, naquele momento para mim, era a sua cura! Estar enferma era injusto! Tomei pela fé essa palavra e cri que a qualquer momento eu receberia um telefonema do Hospital Israelita, informando que ela estava melhorando.
Eu preguei para Deus! Eu implorei a Deus! Eu queria tanto o mesmo direito de Jó de ouvir uma explicação, mesmo em dispensações diferentes! Se não fosse pela voz de um redemoinho, pelo Espírito que em mim habita! Deus me disse não e continuou a ser Deus! Deus me disse não e continuou a ser Justo! Por que disse não? Não tenho a menor ideia! Para Jó, Ele teve que Se fazer entender, demonstrando Seu poder, a fim de mostrar o quão louco seria pôr a Sua justiça à prova! Para mim, Ele não precisou me falar de leviatãs ou beemotes. Não houve necessidade de me fazer entender nada, além do que olhar para Seu Filho amado, pregado numa cruz de maldição, em meio a tanta dor e sofrimento, para que Rosy e eu possamos nos encontrar um dia e viver a eternidade junto Dele.
Essa é a justiça de Deus!
Deus não procede maliciosamente nem perverte o juízo[85]! Dos justos não tira os olhos, antes, com os reis, no trono os assenta para sempre, e são exaltados[86]. Em tudo isso Jó não pecou nem atribuiu a Deus falta alguma! Todos conhecemos o final da história de Jó. Deus reprova os discursos fúteis e legalistas dos três amigos e, por misericórdia, ordena que levem animais para serem sacrificados, a fim de que seus pecados fossem expiados, em meio à oração que Deus espera que Jó faça por eles. E o Senhor aceitou a oração de Jó! Depois que ele orou por seus amigos, o Senhor o tornou novamente próspero e lhe deu em dobro tudo o que tinha antes. Todos os seus irmãos e irmãs, e todos os que o haviam conhecido anteriormente vieram comer com ele em sua casa. Eles o consolaram e o confortaram por todas as tribulações que o Senhor tinha trazido sobre ele, e cada um lhe deu uma peça de prata e um anel de ouro. A prata fala do sangue de Cristo; o ouro simboliza o poder e a realeza de Deus! O Senhor abençoou o final da vida de Jó, mais do que o início. Ele teve catorze mil ovelhas, seis mil camelos, mil juntas de boi e mil jumentos. Também teve ainda sete filhos e três filhas. À primeira filha deu o nome de Jemima, à segunda, o de Quézia e à terceira, o de Quéren-Hapuque. Em parte alguma daquela terra havia mulheres tão bonitas como as filhas de Jó, e seu pai lhes deu herança junto com os seus irmãos. Depois disso Jó viveu cento e quarenta anos; viu seus filhos e os descendentes deles até a quarta geração. E então morreu, em idade muito avançada.
Este comentário sobre o livro de Jó é uma homenagem singela a Deus, à Sua justiça, e à Sua graça, por ter me permitido viver por trinta anos com uma mulher que não era desse mundo!
THE END
[1] Fp.2:7-8 [2] Jo.17:5 [3] Jó.42:10 [4] Sl.91:1 [5] Jó.2:10-b [6] À leste da Idumeia. [7] Procedente de Suá, um dos filhos de Abraão com Quetura. [8] Local desconhecido. [9] Não me refiro à lei mosaica entregue no Sinai [10] Lc.10:25-37 [11] Jó.3:26 [12] Pv.18:24 [13] Sl.14:3; Rm.3:12 [14] Lv.19:18 [15] Jo.7:24 [16] Lc.6:42 [17] 1Co.2:16 [18] Jó.1:5 [19] Jó.8:6-7 [20] Jó.1:8; 2:3 [21] Lc.19:42 [22] Jó.40:15 [23] Jó.41:1 [24] Jó.9:23 [25] Is.55:8 [26] 2Cr.7:14 [27] Jo.16:33 [28] Is.40:15 [29] Jó.4:18 [30] Mt.26:67 [31] Hb.12:24 [32] 1Jo.2:1 [33] Rm.8:26-27;34 [34] Is.50:6; Mc.15:19 [35] Tg.5:17 [36] Sl.23:6 [37] Mt.27:42 [38] Ez.37:1-14 [39] Ec.9:1 [40] Ec.7:16 [41] Is.42:3 [42] Dt.28:15-68 [43] 1Co.1:18 [44] Rm.5:13 [45] Sl.119:155 [46] Sl.73:23-28 [47] Mc.12:33 [48] Até o surgimento de Eliú, no capítulo 32, esta á maior porção da fala de Jó, de 26:1-31:40. Comentaristas dizem que não se pode ter certeza absoluta de que todo este trecho tenha sido escrito por Jó, pois não se trata de um só discurso, aparecendo interrompido em dois lugares de uma maneira não utilizada até então (27:1 e 29:1 (“Prosseguiu Jó em seu discurso”)). Por esse motivo, vários analistas consideram o capítulo 26 como sendo o último discurso do terceiro ciclo, e o capítulo 27 como sendo a conclusão do diálogo como um todo. A maioria considera o capítulo 28 como um interlúdio entre o diálogo de Jó com os três amigos, e sua conversa com Eliú (embora pudesse ser uma continuação do capítulo 27). (Francis I. Andersen – Jó – Introdução e Comentário) [49] Habitação das almas dos mortos (gr.Hades). [50] Abismo [51] Raabe [52] Shaddai. [53] Tg.2:26 [54] Rm.3:20; Gl.2:16 [55] Rm.3:28 [56] Rm.3:23-24 [57] Rm.2:14-15 [58] Rm.2:16 [59] Dt.28:1-14 [60] Js.1:2 [61] Is.55:11 [62] Jo.16:8 [63] Sl.139:12 [64] Sl.14:2; 53:2; Rm.3:11 [65] Sl.143:2; Rm.3:10 [66] Ec.7:7 [67] Is.55:8-9 [68] Jo.14:2 [69] Rm.1:20 [70] Rm.11:36 [71] Rm.11:35 [72] Jr.23:19; 30:23 [73] Ex.3:2-4 [74] 1Rs.19:11-12 [75] Lv.26:13 [76] Ez.1:28 [77] Mc.6:49-50 [78] Nada a ver com hipopótamo. Talvez um braquiosauro. [79] Deus falando de Deus! Jo.1:3; Hb.1:3 [80] Arbusto espinhoso [81] Correia para cavalgar [82] Jr.29:11 [83] Is.53:4-5 [84] Lc.18:1-8 [85] Jó.34:11-12 [86] Jó.36:7

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