Livre-Arbítrio
- Rubens Szczerbacki
- 24 de set. de 2020
- 7 min de leitura
O Homem é livre para fazer o que quer, mas não para querer o que quer.
Arthur Schopenhauer
Quando falamos em livre-arbítrio, devemos ter em mente duas vertentes: a primeira é a certeza que Deus deu ao homem o direito de escolher entre um suco de jiló com maxixe e um suco de laranja com acerola; outra coisa é avaliar se temos livre escolha à obra da cruz!
Assim, quando alguém perguntar se existe livre-arbítrio, a resposta é afirmativa: existe para tudo ou quase tudo, no entanto, para a salvação, precisamos ponderar à luz da Bíblia!
Quando Adão pecou, seu homem espiritual morreu e ele perdeu sua conexão mais íntima com o Criador. Adão transformou-se em um ser de corpo e alma, dicotômico. Sua estrutura antes da queda era tricotômica: espírito, corpo e alma. Ocorre que o homem não possui em sua alma os atributos necessários para escolher se quer Jesus ou não, para discernir e decidir demandas de cunho espiritual, pois só poderia optar em recebê-Lo, se fosse pela ação do espírito! E se o homem espiritual está morto como consequência da queda, espiritualmente não discrimina, não define nem escolhe nada! Só pelo espírito teria essa habilidade! Mortos não discernem nem escolhem!
Precisaríamos de algo poderoso, sobrenatural, acima da vontade e do arbítrio humano, que nos levasse ao Messias!
Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia. (Jo.6:44)
Bingo!
A estrutura tricotômica de Adão rompeu-se com a queda! Adão tornou-se um homem de corpo e alma! Alma que armazena sentimentos, sonhos, que medita, tem desejos, reage, mas que não tem a capacidade de adorar a Deus! Talvez só louve! Sem os atributos do homem espiritual, ele só consegue se achegar ao Santo Lugar, jamais ao Santíssimo, e só se achegará ao Santíssimo e à Arca para adorar a Deus se nele renascer o homem espiritual! E isso não vem do homem, é dom de Deus[1]. Deus é Espírito! Ser religado a Deus é uma das consequências da obra da cruz!
Sem o homem espiritual, ao adentrar o Santo Lugar, ele só enxerga um véu, impossível de ser rompido e não consegue discernir nem imaginar o que tem por trás, a não ser que o próprio Deus o tome pela mão por graça e misericórdia e o leve ali, mas jamais o fará por vontade própria! Aquilo é como uma parede de concreto pra ele! Ele olha e nada distingue, a não ser que Deus queira lhe revelar!
Ou seja, sem Deus, não somos livres para escolher a Cristo! Isso é fato!
Os que se fundamentam no texto de Deuteronômio 30:19 para falar da opção que Moisés deu ao povo de Israel para escolher entre a vida e a morte, entre a benção e a maldição, como prova de haver livre-arbítrio para a salvação, entendem o texto de forma distorcida, pois quando Moisés impõe a condição para que o povo escolha a vida, ele o faz na certeza de que o povo não tem condição espiritual alguma de escolher o melhor! Se Moisés disse escolha, pois, a vida, é sinal de que poderiam escolher a morte! Talvez até alguns do povo tivessem a condição ética ou moral para pensar em Deus, mas condição espiritual, não! Se o livre-arbítrio para a salvação fosse uma realidade, Moisés teria dito: eis que ponho diante de ti a vida e a morte; a bênção e a maldição. Meditem e façam suas escolhas, conforme vocês acharem melhor. Afinal, vocês são livres, livres para escolher! Ou seja, não haveria influência de Moisés e a responsabilidade estaria toda sobre o povo! Mas sabendo da impossibilidade, da incapacidade e da impotência espiritual de Israel em fazer a melhor escolha, Moisés, por amor ao povo, deu a tal cola que muitos pastores usam como prova do livre-arbítrio! Moisés deu o caminho das pedras para que eles e sua descendência vivessem: escolham a vida! Esse é o caminho e a verdade!
Ora, isso nunca foi livre-arbítrio, mas a influência de Moisés, de um líder, de um pai, para que a escolha do povo fosse o arbítrio de Deus e eles não tomassem o caminho que os levaria ao abismo!
O QUE É LIVRE-ARBÍTRIO?
Em termos filosóficos, é a possibilidade de decidir, escolher em função da própria vontade, isenta de qualquer condicionamento, motivo ou causa determinante. Vejam, isenta de qualquer condicionamento! Tudo que Moisés fez foi induzir e condicionar o povo pra que optassem pela vida!
Se alguém chegasse pra você e dissesse: Eis que ponho o céu e a terra por testemunhas de que te pus diante de ti a bênção e a maldição, o suco de laranja com acerola e o de jiló com maxixe. Escolha, pois, o de laranja com acerola, para que não vomites, qual suco você escolheria?
Ora, se o homem tivesse o livre-arbítrio em sua plenitude, certamente não haveria necessidade que alguém lhe dissesse qual o suco escolher, a não ser que fosse limitado, excepcional, demente! Se realmente tivesse uma plena liberdade de arbítrio, que expressasse sua perfeita vontade, certamente não precisaria de qualquer espécie de cola ou ajuda externa para escolher o suco de laranja com acerola!
SE MOISÉS DISSESSE:
Os céus e a terra tomo hoje por testemunhas contra vós, de que te tenho proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição (sem que precisasse completar dizendo: escolha, pois), então a minha livre e potencial capacidade de arbitrar escolheria aquilo que melhor me conviesse! Vida ou morte? Bênção ou maldição? Não preciso de cola! Não preciso que ninguém escolha por mim! Sou livre para escolher e tenho capacidade para tal! Quero a vida e a bênção!
Mas Moisés sabia da incapacidade do povo de Israel para escolher entre a vida e a morte; de optar entre bênção e maldição! Havia uma tendência do povo em reviver o Egito, o mundo e suas maldições, a escravidão e o cheiro da morte! Havia risco que escolhessem suco de jiló com maxixe! A maldição e a morte rondavam Israel!
Se você é pai, não concede livre-arbítrio se seu filho tem três aninhos de idade ou alguma outra incapacidade. Na realidade, você o ensina a escolher, você o tutela até que seja plenamente autônomo, até que ele saiba o que escolher!
- Filho meu, escolhe a vida, que papai te dá sorvete. Se escolher a morte, filhinho vai ficar de castigo.
Se obedecer, ótimo; se não obedecer, já era! Desculpem-me os psicólogos modernos de plantão!
Israel, até hoje, não soube escolher! Escolhe, pois, não era uma opção a ser ratificada pelo povo, e sim, uma ordem! É imperativo! Ali era Israel, o filho primogênito de Deus[2], tipo do filho adotivo[3]: a Igreja! E filhos não se perdem!
É como se Moisés chamasse a atenção do povo para que jamais se atrevessem em ratificar outra coisa, a não ser a vida, bem como não fossem mais casa rebelde! Simplesmente obedeçam! Escolham a vida e a bênção para que vocês vivam, bem como suas gerações futuras! Ali Moisés estava profetizando para todas as gerações futuras: escolham a vida! Escolham a Jesus! Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida!
Ora, não foi o próprio Senhor quem disse: Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros e vos designei para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda?[4]. Aqui, a Palavra acaba com qualquer possibilidade de livre-arbítrio para a salvação! Onde está o livre-arbítrio do homem? O homem escolheu a Deus para ser salvo ou foi por Ele escolhido?
Sim, com ele está a força e a sabedoria. Tanto o que faz errar como o que erra lhe pertencem[5].
Pregar a verdade, temos que pregar! Não é comissão da Igreja saber se alguém está ou não inscrito no Livro da Vida! Quando pregamos, manifestamos o amor de Deus pelo próximo! Nossa oração por aqueles que não conhecem a Jesus deve ser: Pai, por teu amor, graça e misericórdia, leva este homem a Cristo para que ele te conheça e desfrute da vida eterna. E sem teologismos [em Nome de Jesus]!
Para isso fomos chamados! Quem está inscrito no Livro da Vida não fez absolutamente nada para que seu nome estivesse ali! Deus o inscreveu com o Seu dedo antes da fundação do mundo, ao mesmo tempo em que nossas orações e intercessões para que outros alcancem a salvação, resultam para a glória de Deus!
Charles H. Spurgeon define muito bem essa questão.
De acordo com o esquema do livre-arbítrio, o Senhor tem boas intenções, mas precisa aguardar como um servo, a iniciativa de sua criatura, para saber qual é a intenção dela. Deus quer o bem e o faria, mas não pode, por causa de um homem indisposto, o qual não deseja que sejam realizadas as boas coisas de Deus. O que os senhores fazem, senão destronar o ETERNO e colocar em seu lugar a criatura caída, o homem? Pois, de acordo com essa teoria, o homem aprova, e o que ele aprova torna-se o seu destino. Tem de existir um destino em algum lugar; ou é Deus ou é o homem quem decide. Se for Deus Quem decide, então o ETERNO se assenta soberano em seu trono de glória, e todas as hostes Lhe obedecem, e o mundo está seguro. Em caso contrário, os senhores colocam o homem em posição de dizer: “Eu quero” ou “Eu não quero.”.
“Se eu quiser, entro no céu; se quiser, desprezarei a graça de Deus. Se quiser, conquistarei o Espírito Santo, pois sou mais forte do que Deus e mais forte que a onipotência. Se eu decidir, tornarei ineficaz o sangue de Cristo, pois sou mais poderoso que o sangue, o sangue do próprio Filho de Deus. Embora Deus estipule Seu propósito, me rirei desse propósito; será o meu propósito que fará o d’Ele realizar-se ou não”.
Senhores, se isto não é ateísmo, é idolatria; é colocar o homem onde Deus deveria estar. Eu me retraio, com solene temor e horror, dessa doutrina que faz a maior das obras de Deus - a salvação do homem - depender da vontade da criatura, para que se realize ou não. Posso e hei de me gloriar neste texto da Palavra, em seu mais amplo sentido.

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