O Leão e o Profeta Velho
- Rubens Szczerbacki
- 21 de fev. de 2022
- 10 min de leitura

Quando escrevi este título, C.S.Lewis me veio à mente. Quisera eu ter a capacidade deste homem para escrever! Lewis escreveu As Crônicas de Nárnia, Cristianismo Puro e Simples, Cartas de Um Diabo ao Seu Aprendiz, entre tantas outras obras. Além de escritor, foi professor universitário, ensaísta, romancista, poeta e teólogo irlandês. Nasceu em 1898 e faleceu em 1963. Foi ateu até seus 31 anos de idade, quando se converteu ao cristianismo e se tornou membro da Igreja Anglicana. Confesso que às vezes tenho dificuldade para entender certos contextos dos seus escritos, de tão profundos que são! Creio que iniciei este artigo somente para honrar este homem de Deus, e se existe alguém que gostaria de chegar perto quanto à qualidade e criatividade para escrever, este é C.S.Lewis.
Mas, na humilde convicção das minhas limitações e sinceros propósitos, insisto em escrever sobre a lei e a graça para ver se de algum modo consigo mostrar para uns e outros, pela Escritura, que não estamos mais debaixo das ordenanças da lei de Moisés, isto é, da lei do pecado e da morte, mas sim, da lei do Espírito de vida, da graça de Cristo. Paulo escreve aos gálatas que, pela lei, ele está morto para a lei, a fim de viver para Deus. Se o fim da lei é Cristo, e eu com Ele estou crucificado, então não vivo eu, mas Cristo vive em mim. Minha vida agora, enquanto neste mundo e neste tabernáculo, vivo-a na fé do Filho de Deus, que me amou e a si mesmo Se entregou por mim. Não anulo a graça de Deus, pois se a justiça provém da lei, segue-se que Cristo morreu em vão (Gl.2:18-21). Há uma maldição implícita na lei, mas Cristo nos resgatou desta maldição, fazendo-se maldição por nós. A Torah foi dada a Moisés por causa das nossas transgressões até que viesse o descendente que é Cristo. Ora, Cristo já veio e Nele participamos de uma Nova Aliança com base no sangue derramado na cruz do Calvário! Obrigado, Senhor, porque Tu jamais nos deixaste desamparados! Antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei para esta fé que haveria de se manifestar. Antes da vinda de Cristo, a lei nos serviu temporariamente de tutora para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados pela fé. Agora, a fé já veio e não estamos mais subordinados ao aio. A Torah cumpriu seu papel! Agora, a lei e os profetas testemunham a justiça de Deus, sem a lei (Rm.3:21). Antes da graça, estávamos reduzidos à condição de servos, debaixo dos rudimentos do mundo, mas agora, pela fé, somos filhos de Deus em Cristo Jesus. Até aqui, alguma dificuldade para entender a lógica da fé e da cruz de Cristo? Antes eu não era filho, mas servo. Enquanto servo, deveria seguir preceitos e mandamentos, pois ainda precisava crescer. Agora eu cresci, e a promessa se cumpriu com a vinda do Senhor. Quando o herdeiro ainda é menino, é como se fosse servo, ainda que seja senhor de tudo (Gl.4:1), mas agora podemos assumir a condição de filhos de Deus!
Por ordem do Senhor um homem de Deus veio de Judá a Betel, lá pelos idos de 960 a.C. aproximadamente, quando Jeroboão, rei de Israel, estava junto ao altar para queimar incenso. Clamou o homem contra o altar por ordem do Senhor: Altar, Altar! E então ele profetiza que Josias nasceria, o qual sacrificaria os sacerdotes dos altos que ali queimavam incenso. Deus deu um sinal. O Senhor disse que o altar se fenderia e que a cinza sobre o altar seria derramada. Jeroboão se revoltou contra tal profecia, deu ordem para que aquele homem fosse pego, mas ao estender sua mão sobre o altar, ela secou e ele não pôde mais recolhê-la. Conforme a palavra do Senhor, o altar se fendeu e a cinza foi derramada. Jeroboão, então, suplica ao homem que ore a Deus a fim de curá-lo. E assim fez o homem. A fim de recompensá-lo, Jeroboão convida-o para ir à sua casa, mas ele diz que por ordem do Senhor, não deveria comer pão, beber água, nem voltar pelo caminho que veio. Assim, ele se foi por outro caminho.
Em Betel morava um profeta velho, que acabou sabendo pelos filhos o que aquele homem fizera com o altar e o que disse para o rei Jeroboão. O profeta, então, monta em um jumento e vai atrás do homem de Deus, encontrando-o debaixo de um carvalho. Ele convida o homem de Deus à sua casa a fim de se alimentar, mas este responde da mesma forma que respondeu a Jeroboão, argumentando que Deus havia lhe dado ordem para não comer pão, nem beber água, nem voltar pelo caminho que veio. Todavia, o profeta velho disse que um anjo deu ordem contrária, e que ele poderia voltar para comer pão e beber água em sua casa, sem qualquer problema. O homem de Deus acreditou e voltou, ceando com o profeta velho. Enquanto estavam à mesa, o Senhor falou ao profeta novo, que por ter sido rebelde à Sua palavra, não guardando Seus mandamentos, o seu cadáver não seria sepultado no sepulcro de seus pais. Ele, então, se levanta e se vai, mas um leão o encontra no caminho e o mata. Seu corpo ficou estendido pelo caminho, com um jumento e o leão parados em volta do cadáver. Os homens passavam, observavam o corpo, bem como o leão ali parado ao redor do homem morto, e foram a Betel avisar o que havia ocorrido. Quando o profeta velho ouviu, não teve dúvida que se tratava do homem de Deus que foi rebelde à palavra do Senhor. Ele o instigou e sabia o motivo pelo qual o homem de Deus havia morrido! O profeta velho alcançou seu objetivo macabro. O Senhor o entregou ao leão, que o esmagou e o matou, segundo Sua palavra! O profeta velho, então, albarda seu jumento e vai de encontro ao cadáver. O leão e o jumento permaneciam ali parados. O leão não tinha devorado o corpo, nem despedaçado o jumento. Davi também poderia ter matado a Saul, mas não o fez. Assim, o profeta velho levantou o cadáver do homem de Deus, colocou-o em cima do jumento e o levou de volta à cidade para enterrá-lo no seu próprio sepulcro, dizendo: Ah, irmão meu! Depois de havê-lo sepultado, pediu aos filhos que quando morresse, o sepultassem ali com o homem de Deus, pois certamente se cumpriria o que por ordem do Senhor clamou contra o altar que está em Betel, como também contra todos os altos que estavam na cidade de Samaria, pois estava disposto a se identificar com a mensagem que o homem de Deus de Judá dera contra o culto em Betel. Ele queria ser livre da ira de Deus e não ter seus ossos queimados em sacrifício. [Mesmo assim, Jeroboão não mudou de atitude e permaneceu no seu caminho de idolatria, consagrando sacerdotes sem qualquer temor do Senhor. O texto termina dizendo que esse foi o pecado da casa de Jeroboão, o qual o levou à sua destruição e extinção da face da terra (1Rs.13:1-34)].
Profeta velho, profeta mentiroso. O anjo não disse absolutamente nada para ele (1Rs.13:18)! Agiu com astúcia para que o homem de Deus pecasse! Sua mentira induziu à desobediência do homem de Deus. Ele insistiu para que o homem de Deus voltasse e comesse com ele, ou seja, que tornasse às mesmas práticas do passado, da lei! E sabia que tal atitude o levaria à morte!
Josias foi rei em Judá cerca de 300 anos depois deste evento. Josias traduz Deus traz a salvação! O homem de Deus previu que Josias mataria os sacerdotes não separados por Deus que fizessem ofertas no altar em Betel (2Rs.23:15-20). É notório que a profecia prefigura a cruz de Cristo, onde os pecados da humanidade seriam levados através de Seu sacrifício. O altar aponta para a cruz; a cinza derramada, para o sangue de Cristo (1Rs.13:3). Fato é que depois que o altar se fende e a cinza é derramada, a mão de Jeroboão foi curada! Josué também pode ser traduzido como aquele que Jeová cura. Meu foco não está no pecado de Jeroboão, mas na mentira do profeta velho, e na desobediência e na falta de discernimento espiritual do homem de Deus!
O profeta velho é aquele que representa a lei, a religião, que não aceita que Deus tenha propósitos mais nobres com um profeta novo! A verdade é que a graça incomoda a lei até hoje, da mesma forma que o homem de Deus aporrinhava o profeta velho, do mesmo jeito que a presença de Davi apoquentava a Saul, que tentou matá-lo a todo custo! O homem de Deus prefigura a graça. Ele cumpria os desígnios de Deus e descansava à sobra de um carvalho. Mas a lei é implacável, é rigorosa, não abre mão de suas exigências morais e cerimoniais, e se precisar mentir para alcançar seus objetivos, ela o fará, como fez o profeta velho. Ah, homem de Deus, existe alguém em Betel mais espiritual do que eu? Bem, sei que você se lembrou de uma historinha infantil bem conhecida. Como é importante a Igreja clamar pelo dom de discernimento de espíritos! O profeta novo não discerniu, e comeu a maçã! E aí, amados, não há príncipe que dê jeito! Ou há? A verdade é que o corpo do profeta permanecia estendido no chão, intacto, com o jumento e o leão imóveis, de forma absolutamente anormal, como que se submetendo à vontade de Deus, esperando o rabecão de Betel, como dois guardas junto ao corpo do homem de Deus. Que analogia tremenda ao compararmos o corpo do homem de Deus incólume com a passagem do Salmo 34:20, onde lemos: Ele lhe preserva todos os seus ossos, nem sequer um deles será quebrado, numa alusão a Cristo na cruz!
Os que morreram em Cristo ressurgirão incorruptíveis e serão transformados em corpos de glória para que aquilo que é corruptível se revista da incorruptibilidade, e o que é mortal se revista da imortalidade (1Co.15:52-54). A graça precisa seguir seu próprio caminho e nunca se misturar com a lei. Não tem essa máxima do mundo de estamos juntos e misturados! A graça vive, a lei está perto de desaparecer! O fim da lei é Cristo e Sua graça nos basta! O caminho da lei desemboca na cruz; o da graça invade a eternidade! A lei não nos traz a verdade nem nos justifica diante de Deus, mas apenas contém a sombra dos bens futuros! Só Cristo é a Verdade e só a graça nos justifica diante de Deus! Por isso, o profeta velho teve que mentir! E bem sabemos quem é o pai da mentira! Ao decairmos da graça, como ocorreu com os gálatas, ou darmos ouvidos ao profeta velho, todos nós nos sujeitamos à morte. Quando Paulo pergunta: corríeis bem, quem vos impediu de obedecer à verdade? Essa persuasão não vem daquele que vos chamou (Gl.5:7-8), podemos incluir nesse mesmo contexto a atitude do profeta novo: corríeis bem, quem vos impediu de obedecer à verdade? Por que deste ouvidos ao profeta velho? Essa persuasão não vem daquele que vos chamou! A lei e a religião vão tentar sempre nos impedir de obedecer a verdade! A lei vai procurar usar de todos os subterfúgios que estiver ao seu alcance para que retornemos pelo caminho antigo e desprezemos a graça! E se você agora, que morreu com Cristo para viver com a graça, abandona-a para viver novamente com a lei, então estás em adultério, e Cristo para mais nada vos aproveitará! O leão parado diante do corpo do profeta novo nos remete ao leão da tribo de Judá e sua justiça. O jumento é duro, resistente, inteligente e dotado de senso de sobrevivência. Ele simboliza o homem religioso, agarrado à lei de Moisés. Foi sobre um jumentinho que o Senhor entrou em Jerusalém para ser aclamado rei de Israel! A graça entrou em Jerusalém montada sobre a lei! Só a graça será capaz de colocar Israel no caminho!
Paulo chama a atenção dos gentios que haviam se convertido a Cristo, para que andassem Nele, crescendo em ação de graças, tendo o cuidado que ninguém os fizesse por presa, através de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens e os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo (Cl.2:8), pois se já estão mortos com Cristo quanto a tais rudimentos, por que deveriam ainda estar sujeitos a ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: não toques, não proves, não manuseies, não faça isso, não faça aquilo? Todas essas coisas são características da Torah, e estão fadadas ao desaparecimento pelo uso (Hb.8:13), pois são baseadas em preceitos e ensinamentos de homens, tendo na verdade aparência de sabedoria em culto voluntário, humildade fingida e severidade para com o corpo, mas não tem valor algum contra a satisfação da carne (Cl.2:20-23).
Essa atitude dos gentios não me surpreende tanto, quando comparada com a conduta de muitos irmãos israelitas! Como entender judeus que reconhecem Jesus como o Messias, permanecendo no espírito da lei e da sinagoga! Paulo diz: De Cristo vos desligastes, vós que procurais justificar-vos na lei; da graça decaístes (Gl.5:4)! Ele diz que o que para ele era lucro, passou a considerar como perda por causa de Cristo. E quando ele se referia à perda, incluía todo o conhecimento antes adquirido na lei, em função da excelência do conhecimento de Cristo, e que fosse achado Nele, não tendo justiça própria que vem da lei, mas a que vem de Deus pela fé, em Cristo. Seu desejo era conhecê-Lo, bem como o poder de Sua ressurreição, para ver de que maneira poderia chegar à ressurreição dentre os mortos. Paulo tinha um projeto: prosseguir para o alvo, ou seja, para a glória eterna, esquecendo-se das coisas que ficavam para trás e avançando para as que estavam adiante (Fp.3:7-14)! E que coisas eram essas que, segundo Paulo, ficavam para trás, se não a Torah? E que caminho estava diante de Paulo para avançar, senão a graça de Cristo? Se o profeta novo tivesse seguido os passos de Paulo, esquecendo-se dos caminhos antigos e avançando pelo caminho proposto por Deus, obedecendo a Sua voz, não teria sido morto pelo leão! Por isso o apóstolo alertou para que aqueles convertidos se acautelassem dos cães, dos maus obreiros e da falsa circuncisão, pois afirmava que a circuncisão (verdadeiros judeus) são aqueles que servem a Deus em Espírito (Fp.3:2-3).
Causa-me espanto e grande tristeza ver alguns judeus crentes em Jesus, que não se desapegam da lei de Moisés! Falo como judeu-cristão: em tudo inserem um espírito religioso e judaizante! Para estes, Paulo não era apóstolo, mas rabino; Jesus não é Jesus, mas Yeshua; Yeshua é Mashiach, mas não é Deus; Deus é trino, mas o Pai é maior que o Filho e que o Espírito Santo; a Palavra é inspirada, mas a Torah é maior que as demais escrituras! E assim são formalizadas as heresias e desenvolvidas falsas doutrinas, fruto da dureza de cerviz e de corações endurecidos pelo legalismo e pelo espírito de religiosidade.
A Bíblia diz que há um novo e vivo caminho consagrado pelo véu, isto é, pela carne de Jesus Cristo. Não há outro caminho! Aquele que lança mão do arado e olha para trás não está apto para entrar no reino de Deus (Lc.9:62)! O caminho de Deus é perfeito (Sl.18:30-a)! Assim, não percamos jamais o foco de que o evangelho é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu, e também do grego. Todavia, este evangelho isenta-nos da Torah!
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